O promotor Marcos Kac, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), denunciou à Justiça o vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho (sem partido), e a mãe do menino Henry Borel, Monique Medeiros, por tortura qualificada e homicídio triplamente qualificado contra a criança. O casal foi denunciado também por coação e fraude processual. O MP pediu também à Justiça que Monique responda por falsidade ideológica. Henry foi morto no dia 8 de março, aos quatro anos, no apartamento na Barra da Tijuca onde a família morava.
O promotor pediu à juíza Elizabeth Machado Louro, titular do II Tribunal do Júri, no documento, a conversão da prisão temporária do casal em preventiva, alegando que os dois cometeram coação no curso do processo e fraude processual. A medida, segundo ele, é necessária para “assegurar os interesses sociais de segurança”. Jairinho foi denunciado três vezes por tortura, por seu suposto envolvimento em três episódios diferentes de violência contra o menino Henry. Já a mãe da criança foi denunciada pelo mesmo crime duas vezes. Para o MP, ela se omitiu diante das agressões em duas ocasiões.
Na denúncia de 15 páginas, obtida pelo EXTRA, o promotor afirma que Jairinho “decidiu ceifar a vida da vítima por acreditar que a criança atrapalhava a relação dele” com Monique. O menino não teve “a menor chance de escapar dos golpes que lhe eram desferidos, diante de sua tenra idade e da superioridade de força com que foi surpreendida pelas inopinadas agressões” do vereador. O parlamentar teria infligido “à pequena vítima intenso sofrimento físico, tendo em vista as múltiplas lesões que lhe foram causadas, revelando, desta forma, uma brutalidade fora do comum e em contraste com o mais elementar sentimento de piedade”.
O promotor também considerou que a professora, na condição legal de “agente garantidora”, omitiu-se “de sua responsabilidade, concorrendo eficazmente para a consumação do crime de homicídio de seu filho, uma vez que, sendo conhecedora das agressões que o menor de idade sofria do padrasto e estando ainda presente no local e dia dos fatos, nada fez para evitá-las ou afastá-lo do nefasto convívio” com seu namorado. Assim, Monique teria permitido que Jairinho “agredisse a criança até levá-la a óbito, quando podia e devia ter agido para evitar o resultado morte, tendo tais ataques causado as múltiplas lesões corporais” descritas no exame de necropsia e levando o menino à morte.
O casal também foi denunciado pelas torturas praticadas contra Henry nos dias 2 e 12 de fevereiro, dentro da mesma residência. As agressões foram descobertas através de mensagens recuperadas nos aparelhos celulares de Monique e da babá do menino, Thayna de Oliveira Ferreira. Nas duas ocasiões, Jairinho teria, segundo o Ministério Público, submetido o enteado, que se encontrava sob sua autoridade, “a intenso e desnecessário sofrimento físico e mental, como forma de aplicar-lhe castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”.
Kac oberva ainda que, em data ainda desconhecida nos últimos dias do mês de fevereiro, Jairinho submeteu Henry novamente a uma sessão de tortura. Ele teria também chamado o enteado para o quarto e trancou o porta. Três minutos depois, ao sair do cômodo e ser questionado pela babá sobre o que aconteceu, ele disse que tinha caído da cama, o que foi negado pelo vereador. Ao chegar em casa, Monique foi informada sobre as agressões: o menino disse que estava com dor de cabeça e apresentava um machucado roxo no braço.
MP: diante de tortura contra Henry, mãe se omitiu
Para o promotor, Monique, que tinha conhecimento das sessões de violência contra o menino, e ”se omitiu face à sessão de tortura realizada contra o filho, no quarto do casal, em sua residência, quando devia e podia agir para evitar o resultado”. “Por ser sua omissão penalmente relevante”, Kac considera que ela deve responder pelo crime de tortura.
A denúncia narra que, no 13 de fevereiro, depois de Henry mancar, reclamar de dores de cabeça e apresentar hematomas nas pernas e braços ao sair do quarto onde estava preso com Jairinho, Monique levou ao filho ao Hospital Real D’Or, em Bangu, e “inseriu declaração falsa ou diversa daquela que devia constar, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”, afirmando que o menino tinha caído da cama, conforme consta no Boletim de Atendimento Médico. Por causa disso, ela foi denunciada também pelo crime de falsidade ideológica.
O promotor destaca ainda que, após Henry ser levado para o Hospital Barra D’Or, em 8 de março, e ser declarada a morte do menino às 5h42, a empregada doméstica Leila Rosângela de Souza Mattos teria limpado o apartamento deles — mesmo Monique e Jairinho sendo “sabedores de que a perícia de local ainda não havia sido realizada, com o intuito de inviabilizar o trabalho pericial de colheita de provas em busca da verdade real dos fatos, bem como a fim de induzir o juízo a erro, ao sustentarem a versão de que a criança havia caído da cama e por tal motivo teria falecido”. Por esse comportamento, eles foram denunciados pelo crime de fraude processual.
Casal tentou intimidar testemunhas, diz promotor
Marcos Kac também salienta que, durante uma reunião com a babá e com a empregada, em 18 de março, no Centro da Cidade, Monique as constrangeu, “mediante grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio”. Segundo a denúncia, a mãe de Henry, “aproveitando-se do seu poder e influência que tinha sobre elas”, disponibilizou um carro com motorista para levá-las ao Centro da cidade, “supostamente para que se aconselhassem acerca do depoimento que prestariam em sede policial” com o advogado da família.
A professora teria, “em tom ameaçador e impositivo”, ordenado que Thayna, a babá da criança, apagasse as conversas que as duas tinham mantido sobre as torturas que Henry sofreu no apartamento, “com o intuito de acobertar as condutas penalmente relevantes de seu companheiro” e de “se eximir ela própria de sua responsabilidade penal”, de acordo com o MP.
O promotor destaca que informações do inquérito policil apontam para tentativas de intimidação feitas pelo casal. A todo o tempo, “eles tentaram intimidar e cercear testemunhas, direcionar depoimentos e embaraçar as investigações”, ressalta o documento do MP. Por isso, o casal foi denunciado também por coação no curso do processo.
No fim do documento, o promotor justifica a importância da conversão da prisão temporária do casal em preventiva, “visando o resguardo da ordem pública, por necessidade da instrução criminal, e ainda, para assegurar a correta aplicação da lei penal”. Marcos Kac pontua que o casal foi denunciado “pelas práticas de crimes gravíssimos”, que “causam enorme perplexidade na população geral e local”. Ele considera que se os dois fossem soltos, “o sentimento de existência de máquina estatal a impedir o cometimento de tais delitos fica extremamente prejudicado”.
Polícia pediu indiciamento do casal
O MP recebeu o inquérito sobre a morte de Henry depois de a Polícia Civil ter concluído as investigações na última segunda-feira (3). O EXTRA No documento, constam os depoimentos de Monique e do Dr. Jairinho (sem partido), que foram presos e indiciados pelo crime de homicídio duplamente qualificado, com emprego de tortura e impossibilidade de defesa do menino. Também aparece a fala da babá de Henry, Thayna de Oliveira que chegou a mudar a versão e relatar agressões de Jairinho contra a criança.
Ao apresentar o resultado do inquérito, o delegado responsável pelo caso, Henrique Damasceno, titular da 16ª DP (Barra da Tijuca), disse que “a única pessoa calada” foi o menino de quatro anos. Ele refutou o argumento da defesa de Monique — seus advogados alegam que ela sofreu coação por parte do vereador Jairinho.
— Esse argumento de calar a Monique é descabido. Ela foi ouvida por horas e, por lei, terá duas oportunidades para se pronunciar na justiça. A única pessoa que foi calada foi o Henry. Ele pediu ajuda e não foi ajudado. Ele sim foi calado — disse o delegado.