Bilhões de reais estão esquecidos nos bancos, e seus donos sequer sabem que têm dinheiro a receber. O montante vem de cotas e abono salarial do PIS/Pasep não sacados, de contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) — quando não há depósitos há mais de três anos — e de causas ganhas na Justiça que geraram indenização ou tiveram correções após a sentença e não foram retiradas. A quantia fica aguardando o resgate do dono, que muitas vezes parte dessa vida sem receber o que lhe é devido, até por desinformação.
— Os herdeiros também têm direito a receber os valores — diz Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Existem pelo menos R$ 4,83 bilhões parados no Banco do Brasil (BB) e na Caixa Econômica Federal, inclusive de contas inativas do FGTS.
Só o saldo dessas contas sem movimentação do Fundo de Garantia, em 2019, segundo o último balanço publicado no site da Caixa (setembro/2020), era de R$ 18,5 milhões, totalizando 55.952 contas. Ou seja, esse dinheiro está parado na Caixa. A liberação — para os trabalhadores vivos — depende de uma nova decisão do Poder Executivo. Somente em caso de moléstias graves, aposentadoria e morte do titular a quantia pode ser sacada. Ou caso o trabalhador faça a adesão ao saque-aniversário, retirando a cada ano uma parte do saldo de contas ativas e inativas. Mas perde o direito à multa de 40%, caso seja demitido pelo atual empregador.
Ações judiciais
Além disso, somente em depósitos recursais (referentes a ações ganhas pelos trabalhadores na Justiça), as corregedorias de 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), no âmbito do Projeto Garimpo da Justiça do Trabalho, identificaram R$ 3 bilhões não sacados no BB e na Caixa, em todo o país. O valor pertence a trabalhadores e empresas. Agora, a Justiça do Trabalho está atrás dos donos do dinheiro.
— Em um momento de crise como o que estamos vivendo, aqueceria a economia — diz a economista Myrian Lund, professora dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV): — O dinheiro liberado pelo governo retorna à economia em impostos diretos e indiretos, por conta do consumo.
E como descobrir se tem algo a receber por conta de uma ação judicial ganha? Adriane Bramante orienta, no caso de um herdeiro, procurar o advogado do falecido. Outro caminho é consultar o BB e a Caixa:
— Com documentos pessoais e certidão de óbito de quem entrou com a ação (se for o caso), pode-se perguntar ao banco se há depósito judicial. Ou ainda ter o saque autorizado após a habilitação da(o) viúva(o) e dos filhos menores na Vara ou no Juizado onde a ação foi iniciada e o pagamento do atrasado autorizado.
Depoimento: ‘Eu não fazia ideia de que teria esse direito’, diz Maria Cristina Silveira, dona de casa, de 68 anos
“Em 2019, perdi meu marido José Carlos, de 72 anos, devido a um câncer de pulmão. Eu não fazia ideia de que teria esse direito de receber o abono salarial que meu marido sacava todos os anos. Minha neta viu um calendário (de pagamento do abono salarial) do PIS/Pasep e, por conta própria, entrou em contato com o número 0800 que estava escrito. Foi quando soubemos que eu poderia receber o abono mesmo após a morte dele. Esse dinheiro veio em boa hora. Ele trabalhava na Rede Ferroviária Federal, era aposentado, mas continuou trabalhando”.
Caixa e BB: como retirar o abono salarial
O saque do abono salarial PIS/Pasep — pago anualmente aos trabalhadores da ativa — pode ser feito nos terminais de autoatendimento da Caixa, nas casas lotéricas e nos correspondentes Caixa Aqui, com o Cartão Cidadão e a senha cadastrada pelo usuário.
Se a pessoa não tiver o cartão, a quantia poderá ser retirada nas agências bancárias. Para isso, basta apresentar um documento oficial de identificação. O dinheiro ainda pode ser recebido por meio do crédito direto em conta individual com movimentação e saldo — seja conta-corrente, poupança, conta Caixa Fácil ou poupança social digital.
O servidor público, p militar ou o funcionário de empresa pública tem o crédito feito em conta-corrente ou poupança no Banco do Brasil. Os demais trabalhadores com direito aos valores — que não são clientes da instituição financeira — podem receber por transferência bancária ou saque nas agências, diretamente no guichê. Neste caso, é necessário apresentar um documento oficial de identificação.
Direito a cotas e Fundo de Garantia inativo
Os trabalhadores ainda podem sacar as cotas do PIS/Pasep — recolhimentos feitos pelos patrões de 1971 a 1988. Esses depósitos — diferentes do abono salarial — deixaram de existir com a promulgação da Constituição Federal. Com isso, os titulares passaram a ter só rendimentos anuais, mas o dinheiro acumulado ao longo dos anos ficou parado. Embora o governo tenha liberado recentemente esse saque, muitos não retiraram a quantia. Mas o resgate pode ser feito a qualquer tempo.
No que diz respeito ao FGTS, em dezembro de 2016, o governo federal liberou o primeiro saque das contas inativas de FGTS para estimular a economia (MP 763/2016). Na época, podia retirar o dinheiro quem tivesse rescisão com data até 31 de dezembro de 2015. Mas somente em fevereiro de 2017 foi divulgado o calendário de saques. Os pagamentos começaram em 10 de março daquele ano, quando 4,8 milhões de pessoas pegaram cerca de R$ 7 bilhões. A liberação do saldo das 49,6 milhões de contas inativas era pelo mês de aniversário do trabalhador.
Posteriormente, outras medidas provisórias (MPs) editadas pelo governo em 2019 e 2020 permitiram novas retiradas do FGTS inativo. Agora, essa possibilidade está suspensa, a menos que se opte pelo saque-aniversário. A adesão é feita pelo App FGTS, no site fgts.caixa.gov.br, no internet banking da Caixa ou nas agências. Mas, neste caso, o trabalhador retira também parte da conta ativa, se tiver.
Seja como for, tanto no caso do FGTS quanto das cotas do PIS/Pasep, caso o trabalhador tenha morrido, os herdeiros têm direito ao saque. Mas é preciso ter documentos que comprovem a morte e a relação do solicitante com o titular. É preciso apresentar à Caixa uma declaração comprovando a ausência de outros dependentes ou sucessores. Se houver outros, é necessário que haja consenso entre eles. É preciso ainda ter o número do PIS/Pasep e a carteira de trabalho do falecido, além de documento de identificação dos herdeiros, declaração de habitação e consenso dos dependentes.
— Se o dependente for menor, será necessária também a abertura de uma conta poupança em seu nome para que o depósito seja feito — diz o advogado Marcellus Amorim.
Três milhões não sacaram benefício anual
Um balanço da Caixa aponta que três milhões de trabalhadores não fizeram o saque do abono do PIS/Pasep 2020/2021 e podem ficar sem o dinheiro, deixando cerca de R$ 1,8 bilhão nos cofres públicos. Caso a retirada não seja feita, o dinheiro volta para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Tem direito a receber quem está inscrito num dos programas há, pelo menos, cinco anos, trabalhou com carteira assinada (PIS) ou como funcionário público, militares e empregados de empresas públicas (Pasep) no ano-base de referência por, no mínimo, 30 dias, e recebeu, em média, até dois salários mínimos por mês.
Total a receber
O valor a sacar varia de acordo com o número de meses trabalhados. É de R$ 1.100 para quem trabalhou por 12 meses no ano-base. Para quem trabalhou apenas um mês no período, o abono é de R$ 92. A Caixa paga o PIS; o BB, o Pasep.
Dos 2,7 milhões de pessoas identificadas pelo Banco do Brasil para receber R$ 2,628 bilhões do Pasep no exercício de 2020/2021, 200 mil não fizeram o saque, deixando no banco R$ 120 milhões.