Jornal Povo

Ao vivo: À CPI, servidor do Ministério da Saúde diz que foi informado de propina paga a gestores por vacina

O servidor Luis Ricardo Miranda, lotado no Departamento de Logística do Ministério da Saúde, disse à CPI da Covid, no Senado, de que foi informado de que alguns gestores da pasta estavam recebendo propina por vacinas. Isso foi mostrado por Luis Ricardo, que trabalha há mais de um decada no ministério, por meio de prints de mensagens do servidor com seu irmão, o deputado federal Luis Ricardo (DEM-DF). O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), perguntou:

— Que servidor pediu propina?

Luis Ricardo respondeu:

— O ministério estava sem vacina. E um colega, Rodrigo, servidor, disse que um rapaz vendia vacina. E esse rapaz disse que alguns gestores estavam recebendo propina. Ele não disse nomes.

Assista à sessão da CPI ao vivo:

Os irmãos Miranda prestam depoimento nesta sexta-feira à CPI, em condição de convidados. A oitiva é considerada com o potencial de ser uma das mais reveladoras desde o início do trabalho da comissão, instaurada há dois meses e meio. Eles disseram ter denunciado pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro suspeitas de ilegalidade na compra da vacina indiana Covaxin.

Em meio a falas paralelas dos parlamentares da CPI, alguns senadores sugeriram então convocar o servidor chamado Rodrigo.

Pressão pela importação

Luis Ricardo mostrou à CPI da Covid as mensagens que recebeu de seus superiores pressionando pela liberação da vacina indiana Covaxin. As cobranças, segundo mostrou Luis Ricardo, foram feitas à noite e aos domingos. De acordo com os irmãos Miranda, houve uma pressão atípica para a importação do imunizante.

Em uma das mensagem, na qual o servidor avaliou ter havido pressão fora do normal para assegurar autorização da importação, o coronel Marcelo Bento Pires, que trabalhava como assessor na Secretaria-Executiva da Saúde, chegou a compartilhar contato do sócio da Precisa, Emerson Maximiano. No texto, disse que o representante da empresa conversou com o secretário-executivo Elcio Franco naquela mesma sexta-feira (19 de março) para “agilizar” a liberação ainda naquela semana.

— Durante toda a execução desse contrato, diversas mensagens recebi, ligações, chamadas no gabinete sobre o status do processo desse contrato — afirmou.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou se ele reportou a pressão que sofria por causa da Covaxin a seus superiores no Ministério das Saúde. O servidor disse que não, porque a pressão partiu justamente de dois superiores dele na pasta.

— Com essa pressão e a forma como a gente recebeu os documentos, toda a equipe do setor não se sentiu confortável com essa pressão, a falta de documentos. Como os meus dois superiores estavam pressionando, eu conversei com meu irmão, que passou para o presidente — disse Luis Ricardo.

Servidor diz que Onyx mentiu

Luis Ricardo, que é servidor de carreira do Ministério da Saúde, disse que o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência, mentiu ao acusá-lo de falsificar um documento sobre a importação da vacina indiana Covaxin. A fala do servidor de carreira foi uma resposta a Renan Calheiros. Lorenzoni acusou Luis Ricardo e seu irmão de terem falsificado o documento chamado de “invoice”. O recibo, entretanto, está disponível no sistema do Ministério da Saúde e, portanto,pode ser obtido por integrantes do governo a qualquer momento, conforme atestado pelo GLOBO.

Um dos principais pontos da oitiva é justamente a autenticidade de um recibo da pasta, que, segundo Luis Ricardo, evidencia ilegalidades na aquisição do imunizante. Onyx e o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco levantaram suspeitas com relação a uma cópia de uma fatura de importação apresentada por Luis Ricardo e seu irmão.

— Onyx mentiu ao fazer aquelas acusações? É isso mesmo? — perguntou o relator da CPI.

— Sim — disse Luís Ricardo.

Alerta a Bolsonaro

Em sua fala inicial, o deputado Luis Miranda disse que, apesar da justificativa de que as notas fiscais envolvendo a Covaxin foram ajustadas, o teor dos documentos só foi modificado após o seu irmão se recusar a assiná-lo e depois da visita dos irmãos ao presidente Jair Bolsonaro para relatar possíveis irregularidades.

— O governo fala com muita tranquilidade, em especial o senhor Onyx (Lorenzoni), de que o tal documento foi logo depois corrigido, esse ‘logo depois’ foi depois da visita ao presidente da República e por que o meu irmão não assinou o documento que eles queriam — alegou Miranda.

O deputado também confirmou que informou Bolsonaro sobre as suspeitas de irregularidade na compra da Covaxin. Na conversa, o presidente teria citado o nome de um parlamentar, segundo disse Miranda. No entanto, ele diz não se lembrar que era esse parlamentar. O deputado também afirmou

Miranda disse que conversou na Câmara com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre as irregularidades relatadas pelo irmão e alertou que uma hora isso poderia estourar no governo. Eduardo é filho do presidente Jair Bolsonaro.

Cronologia

Ricardo fez uma cronologia à CPI dos acontecimentos, desde o início dos contatos com a Precisa na sua área, em 16 de março. De acordo com o servidor, ele seria o responsável por fazer a autorização de importação, já que é o titular da divisão.

— Não (poderiam fazer a autorização sem assinatura). Eles fizeram baseado na autorização da fiscal do contrato, a Regina Célia (Oliveira) — respondeu o servidor — Existem gestores, mas eles não fazem sem eu autorizar.

À comissão, Ricardo contou que recebeu notificação do Ministério Público Federal, em 24 de março, para prestar esclarecimentos sobre inquérito envolvendo a Covaxin.

Caso Global

Perguntado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), se a empresa Global, sócia da Precisa, tem má reputação entre os técnicos do Ministério da Saúde, o servidor Luis Ricardo confirmou que sim. Questionado em seguida se os servidores sabiam que Global e Precisa têm mesmo dono, respondeu que tomaram conhecimento pela mídia depois da assinatura do contrato da Covaxin.

A Covaxin foi desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, que no Brasil é representado pela Precisa. Em relação à Global, sobre a qual há suspeitas de irregularidades num contrato de R$ 19,9 milhões fechado na época em que o atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, era ministro da Saúde (entre 2016 e 2018, no governo do ex-presidente Michel Temer). Por esse motivo, há uma ação de improbidade administrativa contra Barros na Justiça Federal .

Já sobre a Precisa, os irmãos apresentaram slides nos quais citam uma reportagem de fevereiro mostrando que a empresa é investigada na operação Falso Negativo, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A suspeita é de que houve fraude na venda de testes rápidos para Covid-19 ao governo do DF.

Dificuldade de acesso a documentos

Na abertura da sessão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) falou que o Ministério da Saúde tem obrigação de colaborar com o colegiado. Ele disse a equipe técnica da comissão tem autorização para acessar dados da pasta, mas em alguns casos os documentos não foram disponibilizados. Para Renan, esta é uma manobra “protelatória” do governo e precisa ser enfrentada com uma atitude “enérgica” da presidência da CPI. O relator também disse que o ministro Marcelo Queiroga, um dos investigados pela comissão, incorre em “nova prática delituosa”. O líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE), defendeu Queiroga, dizendo que foram solicitadas muitas informações e mais de 90% já foram encaminhadas.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente do colegiado, afirmou que o governo tem recorrido a duas práticas contra a CPI que podem ser consideradas crimes.

— Constitui crime a prática de ameaça ou omissão e documentos [a uma CPI]. Ameaça ocorreu com a fala de Onyx Lorenzoni e de um investigado, que é o senhor Elcio Franco [ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde]. Caracteriza também omissão quando os documentos não vêm a esta comissão no tempo certo — disse Randolfe.

Luis Ricardo Miranda entrou no radar da CPI ao afirmar, em entrevista ao GLOBO, que apresentou a Bolsonaro no dia 20 de março, no Palácio da Alvorada, uma série de elementos que levantam suspeitas sobre a importação da Covaxin, a vacina mais cara contratada pelo Brasil até aqui. A previsão é de entrega de 20 milhões de doses ao custo de R$ 1,6 bilhão.

Conversa reservada

De colete à prova de balas, o deputado Luis Miranda (DEM) afirmou a jornalistas, ao chegar no Senado, que falará a verdade em depoimento à CPI. Ele chegou sem o irmão, o servidor Luis Ricardo, e solicitou uma conversa em caráter reservado com o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM). Aziz, então, pediu para ser acompanhado por um integrante da ala governista e suspendeu a sessão por 15 minutos.

O adiamento do início da reunião também serve para aguardar a chegada de Luis Ricardo, que chegou há pouco no aeroporto de Brasília após viagem aos Estados Unidos. Ele estava no mesmo voo das 2 milhões de vacinas da Janssen, doadas pelo governo americano.

Contexto

Ricardo Miranda diz que foi pressionado por seus superiores a dar agilidade à compra da Covaxin. Relata também que o tal documento cuja autenticidade passou a ser questionada atesta que o ministério iria pagar antecipadamente U$ 45 milhões à empresa Madison Biotech, apontada como uma subsidiária da Bharat Biotech, fabricante da vacina indiana. A Madison, porém, não constava do contrato assinado com a pasta. O recibo em questão tem a data de 19 de março deste ano e, segundo Miranda, foi o motivo para que ele contrariasse seus chefes e se recusasse a dar aval ao processo.

Sob o argumento de que havia erros materiais no documento, foram enviados ao ministério outras duas versões do “invoice”, com algumas modificações. De acordo com Miranda, ele detalhou todas as suspeitas ao presidente da República naquele dia 20 de março. Ainda segundo o servidor, Bolsonaro disse que levaria o caso ao conhecimento da Polícia Federal.

— Eu apresentei toda a documentação, o contrato que foi assinado, as pressões que estavam acontecendo internamente no ministério, e a gente levou até a casa do presidente (no Palácio da Alvorada). Conversamos com ele, mostramos todas as documentações, as pressões, e ele ficou de, após a reunião, falar com o chefe da Polícia Federal para investigar — disse o servidor.

Até hoje, entretanto, a PF não abriu nenhum inquérito para apurar a situação.

Horas após a publicação da entrevista, em um pronunciamento sem direito a questionamentos, na quarta-feira, tanto Onyx quanto Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, afirmaram que há indícios de que a fatura apresentada pelos irmãos Miranda não era verdadeira ou teria sido forjada para prejudicar Bolsonaro. Com base nisso, o governo pediu uma investigação para Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e a Controladoria-Geral da União (CGU).