Maioria dos casos acontecem na Baixada Fluminense. A situação alarmante gerou a criação de uma CPI na Alerj, que investiga casos de crianças desaparecidas no Rio de Janeiro
Rio – Fernando Henrique, 11, Alexandre da Silva, 10, e Lucas Matheus, 8, saíram de casa no dia 27 de dezembro de 2020 para brincar no campinho perto de casa, na comunidade do Castelar, em Belford Roxo, e, desde então, nunca mais foram vistos. Os meninos fazem parte de uma estatística alarmante. Somente de janeiro a abril deste ano, o estado registrou uma média de aproximadamente 11 desaparecimentos por dia. A Baixada Fluminense é a região onde mais registra-se sumiços de pessoas. Quase 30% dos casos totais do estado, registrados até abril deste ano, foram na região.
De acordo com Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP), o estado registrou 4.780 casos de desaparecimentos em 2018, seguido por 4.768, em 2019 e de 3.350 desaparecidos em 2020. Nos quatro primeiros meses de 2021 foram registrados 1.281 desaparecimentos no estado, aproximadamente 4% a mais que em 2020 no mesmo período (1.228).
Com o início da pandemia, em março de 2020 foram registrados 272 casos de desaparecimentos, uma queda de 33% em relação a março de 2019. Porém, em março de 2021, o número de casos deu um salto alarmante de 21% e chegou a 328 casos. Em abril, a alta se repetiu. Foram 277 casos em 2021 contra 178 no ano de 2020, um crescimento de mais de 55%.
Dos casos totais do estado, a maioria acontecem na Baixada Fluminense. A região também registrou alta na comparação deste ano em relação ao ano passado. De janeiro a abril de 2020, foram 301 casos. Já no mesmo período em 2021 o número chegou a 381, um aumento de quase 27%. Se analisado somente o mês de abril, o crescimento chega a quase 121%: Foram 43 casos em 2020, enquanto em 2021 já foram registrados 95.
Para o sociólogo Fabio Araujo, há varias causa para os desaparecimentos, mas, sobretudo, é preciso atentar para o fato de que os mais atingidos são os mais pobres.
“As pessoas desaparecem por vários motivos, que incluem desde conflitos familiares, abandono do lar, questões de saúde mental, até práticas de extermínio envolvendo agentes criminais e agentes estatais (desaparecimentos forçados). Embora qualquer pessoa possa vir a desaparecer, o problema atinge especialmente pessoas pobres, com destaque para marcadores sociais como pobreza, local de moradia e cor/raça”.
Para Araujo, outro dilema é que como o problema envolve várias dimensões, há dificuldades na atribuição das responsabilidades por sua apuração. “Ora é considerado um problema de família, ora um problema de assistência social, ora um problema de segurança pública, e há uma grande dificuldade entre as instituições que lidam com o problema de se comunicarem”.
Situação na Baixada Fluminense
Um estudo realizado pelo Fórum Grita Baixada (FGB) sobre os desaparecimentos, mostra que a Baixada Fluminense é a região onde mais acontecem casos de desaparecidos. De acordo com a pesquisa, nas seis Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) que compõem a Baixada Fluminense, cinco tiveram aumento no número de casos em comparação a março de 2020, período em que a pandemia de covid-19 oficialmente chegou ao país.
Apenas a 34ª AISP, que compreende os municípios de Magé e Guapimirim teve um recuo no número de desaparecidos. Embora tenha totalizado 70 casos no ano de 2020 e o primeiro trimestre desse ano já apresente 30 registros de desaparecidos, há uma queda de 9% em relação a março do ano passado.
A campeã de registros de desaparecimentos na Baixada é a 20ª AISP, que compreende os municípios de Nova Iguaçu, Mesquita e Nilópolis, totalizando 1073 casos no triênio 2018-2020. Só no mês de março desse ano, 79 casos já haviam sido contabilizados, um aumento de 19% em comparação ao mesmo período do ano passado (79). A área teve 274 casos em 2020 e 400 em 2019 desaparecimentos nessa Área Integrada de Segurança.
O estudo mostra ainda que em segundo lugar ficou a 15ª AISP, que atende o Centro de Duque de Caxias, Campos Elíseos, Xerém e Imbariê. Foram 699 casos de desaparecimentos de 2018 a 2020. Em março de 2020 houve uma queda expressiva no número de registros (total de 277 em 2019 e 151 em 2020). Porém, apenas no primeiro trimestre de 2021, Duque de Caxias já apresentava 65 registros de desaparecidos, o que resultou em um aumento de 17% em relação a março do ano passado.
De acordo com o Fórum Grita Baixada, a 39ª AISP, que concentra a cidade de Belford Roxo, registrou um total de 32 desaparecimentos no primeiro trimestre de 2019, 21 em 2020 e 31 desaparecidos de janeiro a março de 2021. Houve um aumento de 57% de casos em relação ao mesmo período de 2020.
“O que se observa é que há uma quase inexistência, nos poderes públicos constituídos na Baixada Fluminense, de políticas que abordem de forma mais robusta o problema. Poucas cidades da Baixada, exceto São João de Meriti e Queimados, possuem secretarias de Direitos Humanos. Em Nova Iguaçu, um passo foi dado neste sentido e foi elaborado um Plano de Direitos Humanos”, afirma Fábio Leon, responsável pelo estudo divulgado pelo Fórum Grita Baixada.
CPI cobra soluções
Diante dos números crescentes de casos que permanecem sem resposta, principalmente de crianças, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os casos.
“Vamos ouvir primeiramente instituições do governo do estado, além de entidades que já deveriam estar cumprindo leis existentes; apurar como está o funcionamento de órgãos como a Fundação para a Infância e Adolescência (FIA-RJ) e a Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA); e quero também a presença de representantes de Conselhos Tutelares para saber como estão apoiando as famílias que se deparam com o desaparecimento de suas crianças e que podem estar em situação de vulnerabilidade”, afirmou o presidente da CPI, o deputado Alexandre Knoploch (PSL).
Dentre as medidas que a CPI busca solucionar, está a questão de fazer funcionar o sistema Alerta Pri (nome em homenagem a Priscila Belfort, desaparecida há 17 anos), que envia um alerta por telefone contendo o nome, a idade, as características físicas, o local de desaparecimento e todas as demais informações selecionadas pela Polícia Civil. O objetivo é agir rapidamente quando esse tipo de crime for registrado no sistema.O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel (Conix) afirmou que a intenção do grupo é implementar o sistema, mas alega ser necessário seguir o cronograma proposto, que tem como prazo para início da operação o final do mês de outubro deste ano. Para o presidente da CPI, deputado Alexandre Knoploch, esse prazo pode ser encurtado. “Esse prazo é inviável e se as operadoras não mostrarem a devida atenção ao projeto, elas podem ser indiciadas pelo não cumprimento dessa lei”, afirmou.
Outro questionamento é um auxílio financeiro para famílias que têm seus filhos desaparecidos. “Essas mães com filhos desaparecidos param suas vidas, deixam de trabalhar em busca do filho. É preciso um suporte financeiro para estas famílias. Os auxílios e bolsas existentes atingem tantas pessoas, por que não se estenderem a essas mães?”, pondera o parlamentar.
A comissão, formada pelos deputados Danniel Librelon (REP), Renata Sousa (Psol), Alexandre Freitas (Novo), Martha Rocha (PDT), Tia Ju (REP) e Lucinha (PSDB) terão 90 dias para concluir os trabalhos, podendo prorrogar por mais 60 dias. A CPI deve escutar as famílias, órgãos de segurança pública, o Ministério Público e o governo do estado.
Falta de pistas e investigação lenta
A falta de pistas angustia as famílias que aguardam semanas, meses e até anos por notícias. A morosidade para solucionar os casos é a grande reclamação das famílias. Muitas acreditam que se trata de descaso.
“O que nota-se é que quando se trata de investigações em locais mais pobres e que envolve crianças negras há uma morosidade na hora de investigar”, opina Fábio Leon, do Fórum Grita Baixada.No caso de Fernando Henrique, Alexandre da Silva e Lucas Matheus, sumidos desde o dia 27 de dezembro do ano passado, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, as famílias reclamam que as primeiras testemunhas só foram ouvidas uma semana depois e que a denúncia só foi formalizada 24 horas depois, por orientação dos policiais que estavam de plantão no dia do desaparecimento dos meninos.
“Vai fazer seis meses e a gente não tem nenhuma resposta. A polícia, quando a gente vai atrás, só diz que está investigando. Eles (polícia) não têm nenhuma pista, a gente não sabe de nada”, diz Silvia Regina, avó de Alexandre e Lucas.
A Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) informou que as investigações e buscas continuam e que no dia 24 de maio prendeu 17 pessoas por envolvimento com o tráfico, roubos de veículos e de cargas na comunidade do Castelar, onde viviam os meninos. O grupo também é investigado por envolvimento no desaparecimento dos três garotos.
Rogéria Alves da Cruz, de 64 anos, esperar notícias do paradeiro da filha de criação, Vitória Claudina Nogueira, desde 2009 , quando ela desapareceu aos 11 anos. A menina saiu de casa, em Irajá, na Zona Norte carioca, às 13h do dia 5 de junho daquele ano e nunca foi vista.
“A minha vida tem sido de busca, pois viramos detetives, porque somos nós que temos de procurar. Até na Cracolândia eu já fui. O caso já está arquivado. A minha filha até hoje nada. Ela está com 23 anos. Tenho certeza que ela está viva e que eu ainda vou reencontrá-la”, relatou a presidente do grupo Mãe Braços Fortes, que trabalha no apoio a famílias de jovens desaparecidos.Jowayner Junior entrou para as estatísticas em fevereiro de 2013. Na época, tinha 16 anos. O aspirante a bombeiro saiu à tarde, em Santa Cruz, com amigos e nunca mais voltou. “Minha última recordação é de ele dizendo que ia ali e já voltava. Era um domingo, ele não queria ir, mas os amigos insistiram. Aí ele disse que ia, mas voltaria rápido. Até hoje eu espero”, diz a mãe, Márcia Cristina França de Albuquerque, de 53 anos.
Fonte: O DIA ONLINE.