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Conjur:Procurador geral de Nova Iguaçu afirma que execução fiscal poderia ser extrajudicial; leia a entrevista

O município de Nova Iguaçu (RJ) tem, hoje, cerca de 750 mil execuções fiscais na Justiça. E a cidade não conta com vara de Fazenda Pública. Por isso, o procurador-geral de Nova Iguaçu, Rafael Alves, quer evitar que mais ações cheguem ao Judiciário, enfatizando medidas como protestos, mediação e programas de benefícios para os contribuintes quitarem seus débitos.

Entre janeiro de 2015 e maio de 2019, Nova Iguaçu foi o município que mais protestou títulos no estado do Rio, com 45.534 protestos, conforme levantamento do Instituto de Protesto.

“Se os municípios não deixarem a judicialização para os grandes devedores e lançarem medidas alternativas para os demais, continuarão tendo que arcar com o custo de oficiais de justiça ad hoc, nomeados pelas prefeituras para ajudar nas intimações nos cartórios, uma vez que a justiça não tem efetivo para dar conta de tamanha demanda”, enfatiza Alves. “Isso sem falar nos anos e anos até se chegar ao final de um processo de execução fiscal, que muitas vezes poderia ter sido evitado com uma simples negociação”.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o tempo médio de uma execução judicial ou de um título extrajudicial que não contenha execução fiscal é de três anos e três meses. Na execução fiscal, o tempo médio sobre para oito anos.

Alves diz ser possível desjudicializar totalmente as execuções fiscais. Outra alteração legislativa possível, segundo o procurador-geral de Nova Iguaçu, seria rever o sistema do processo tributário.

“Em vez de o município executar o crédito tributário, ele poderia promover atos que hoje são exclusivos do Judiciário, como a penhora online, entre outras ações bem duras e até contestáveis. Na maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos, é assim que acontece”, explica.

Leia a entrevista:

ConJur — Como as execuções fiscais contribuem para o congestionamento do Judiciário brasileiro?
Rafael Alves —
 A dívida ativa é, hoje, um dos principais fatores da morosidade do Judiciário. Isso porque a ampla maioria das comarcas do Brasil não tem vara de Fazenda Pública. No Rio, somente a capital e Niterói possuem varas de Fazenda Pública, entre os 92 municípios do estado. Nesses casos, eu posso afirmar que a maior parte dos processos que tramitam nas varas cíveis, que também comportam as varas de Fazenda Pública, corresponde a execuções fiscais.

Os municípios e estados, mas a União também, sempre serão os maiores demandantes e os maiores demandados em ações judiciais. Como demandantes, estamos falando da cobrança de tributos, quase que na totalidade das ações. Agora imagine um cenário em que os cidadãos, os contribuintes, não pagam o imposto que é devido. Imagine o mar de gente em processos de execução fiscal congestionando todo aquele cartório, a vara inteira. Nos municípios do interior, que têm vara única, correm processos de família, criminal, eleitoral, cível, tributário e de execução fiscal. A execução fiscal, que é o processo em que a Fazenda Pública cobra o imposto judicialmente, colapsa — colapsa mesmo, não apenas congestiona — as comarcas do interior do estado, em especial as da Baixada Fluminense, que não possuem vara de Fazenda Pública.

De acordo com o relatório Justiça em Números 2020, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, os processos de execução fiscal representam 39% do total de casos pendentes e 70% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 87%. Ou seja, de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2019, apenas 13 foram baixados.

ConJur — O que Nova Iguaçu tem feito para evitar execuções fiscais na Justiça?
Rafael Alves —
 O município vem tomando diversas medidas de desjudicialização da dívida ativa. Que medidas são essas? Protestos e programas de desconto em débitos (Concilia), além do convênio com o Tribunal de Justiça do Rio para o E-Carta, que funciona como uma cobrança extrajudicial, pré-processual, prescindindo da cobrança do débito tributário, embora a certidão da dívida ativa seja lavrada. Essas medidas de desjudicialização não só promovem um desafogamento das varas em relação aos processos que estão em curso como também reduzem as demandas por parte da Fazenda Pública por execuções fiscais.

Entre janeiro de 2015 e maio de 2019, por exemplo, Nova Iguaçu foi o município que mais realizou protestos de títulos no estado do Rio, com 45.534 protestos, conforme levantamento do Instituto de Protesto.

ConJur — O que é possível, dentro da legislação atual, para evitar execuções fiscais na Justiça? E que alterações legais poderiam ser feitas nesse sentido?
Rafael Alves —
 As medidas de desjudicialização são o futuro da execução fiscal. Nova Iguaçu já vem tomando todas as medidas de desjudicialização possíveis, segundo a legislação atual. E isso vai muito além, até, da execução fiscal. Há menos de um mês, por exemplo, a Prefeitura de Nova Iguaçu e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro assinaram um convênio que facilita o fornecimento de medicamentos, exames, consultas, internações e demais procedimentos de saúde. A partir de agora, sempre que o cidadão procurar a Defensoria para questões de saúde, a Defensoria vai oficiar a Procuradoria-Geral de Nova Iguaçu e a Secretaria de Saúde, sem a necessidade de ingressar com ação judicial para o pleito ser atendido. Também nos comprometemos a sanar os processos antigos da saúde, que transitam até hoje nas varas cíveis de Nova Iguaçu.

Sobre alterações legais para se evitar execuções fiscais na Justiça, se poderia pensar na securitização da dívida ativa, que consiste na possibilidade de se negociar todo passivo tributário da Fazenda Pública com o mercado financeiro. Esse é um projeto de lei, que se encontra no Congresso Nacional. Além disso, a securitização da dívida ativa é um tema que está sendo discutido no Superior Tribunal de Justiça. Penso que seria uma boa medida para evitar a execução fiscal no Brasil, uma vez que o município pode negociar seus créditos tributários com o mercado financeiro.

ConJur — Em sua opinião, é possível que as execuções fiscais sejam 100% extrajudiciais?
Rafael Alves —
 Essa é uma realidade em muitos países do mundo: a Fazenda Pública não demanda débitos dos contribuintes em juízo. Uma outra alteração legislativa possível, um pouco mais profunda, seria rever o sistema do processo tributário. Em vez de o município executar o crédito tributário, ele poderia promover atos que hoje são exclusivos do judiciário, como a penhora online, entre outras ações bem duras e até contestáveis. Na maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos, é assim que acontece.

ConJur — Que outras medidas de desjudicialização Nova Iguaçu vem tomando?
Rafael Alves —
 O município de Nova Iguaçu vai realizar o primeiro Concilia totalmente virtual no estado do Rio. O projeto do convênio será enviado, nos próximos dias, para votação na Câmara dos Vereadores. Esse convênio vai abranger, inclusive, as execuções judiciais que já se encontram em curso, ou seja, aquelas demandas que já foram judicializadas, oferecendo ao contribuinte redução drástica de juros de mora, honorários advocatícios e custas judiciais.

O fato é que, se os municípios não deixarem a judicialização para os grandes devedores e lançarem medidas alternativas para os demais, eles continuarão tendo que arcar com o custo de oficiais de justiça ad hoc, nomeados pelas prefeituras para ajudar nas intimações nos cartórios, uma vez que a Justiça não tem efetivo para dar conta de tamanha demanda. Isso sem falar nos anos e anos até se chegar ao final de um processo de execução fiscal, que muitas vezes poderia ter sido evitado com uma simples mediação ou negociação. Segundo o CNJ, o tempo médio de uma execução judicial ou de um título extrajudicial que não contenha execução fiscal é de três anos e três meses. Na execução fiscal, o tempo médio sobe para oito anos.

ConJur — A epidemia de Covid-19 forçou a Justiça a operar de forma telepresencial e virtual. Como avalia essas medidas? Podem ser uma solução para descongestionar o Judiciário?
Rafael Alves —
 Antes mesmo da pandemia, a Procuradoria-Geral do município de Nova Iguaçu começou a implementar o trabalho remoto, embora de maneira ainda incipiente. Se considerarmos que o processo de execução fiscal é totalmente virtual e digitalizado, não há por que se fazer a distribuição de execução fiscal e de peças processuais com a presença da equipe na procuradoria. Com a pandemia, o trabalho remoto acabou se tornando uma realidade, o que foi muito positivo no sentido de se reduzir custos na administração pública e promover uma eficiência maior.

O trabalho remoto pode ser uma solução para descongestionar o Judiciário, mas essa é uma questão que está mais ligada à gestão do Judiciário que à Fazenda Pública. Na Baixada Fluminense, já foi implementado o primeiro Juizado Especial Fazendário, localizado em Mesquita e atendendo também a Nova Iguaçu. Ele ainda não está funcionando a pleno vapor, como a gente espera, mas é um exemplo da atuação do Judiciário.

Na minha opinião, a única coisa que descongestiona, de fato, o Judiciário são as medidas de desjudicialização. Quanto menos processos judiciais, melhor para todo mundo. O custo de uma execução fiscal é muito alto no Brasil, é o custo mais alto do planeta. Muitas vezes nem compensa para a Fazenda Pública entrar na Justiça contra um contribuinte inadimplente porque o custo para a movimentação dessa máquina é tão alto que a quantidade de perda, de execuções que não serão bem sucedidas para a Fazenda Pública, inviabiliza as ações judiciais. No final, toda a sociedade acaba pagando essa conta da inadimplência e da movimentação dessa máquina caríssima.

Fonte: Conjur.