Jornal Povo

Tribunal de Contas do Rio libera contratação de câmeras corporais para uniformes de policiais

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) revogou a suspensão da compra de câmeras corporais para serem usadas nos uniformes de agentes de segurança do estado do Rio. No dia 18 do mês passado, em decisão monocrática, o presidente do órgão, Rodrigo Melo do Nascimento, concedeu liminar em favor do grupo Radium Telecomunicações, interrompendo a contratação da empresa vencedora por parte do estado. O grupo que entrou com a medida havia alegado supostas irregularidades na formalização do edital do pregão eletrônico. No entanto, na última quarta-feira, os conselheiros do TCE entenderam, por unanimidade em sessão do Plenário, que o certame foi válido, reconhecendo o recurso impetrado pelo estado em sua defesa.

Quando o TCE suspendeu a contratação, a Polícia Militar já havia testado as câmeras no fardamento de seus agentes no réveillon do Rio deste ano. Embora ainda não tenham sido divulgados os resultados obtidos com o uso do dispositivo, o emprego do equipamento é uma das 11 exigências estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a redução da letalidade nas ações policiais em favelas. Na última quinta-feira, dia 3, a maioria dos magistrados da Corte aprovou uma série de providências apresentada pelo relator da chamada “ADPF das Favelas”, o ministro Edson Fachin. Em 2020, ele determinou que, durante a pandemia de Covid-19, a realização de operações só deveria ocorrer em casos “excepcionalíssimos”.

O argumento do uso das câmeras pelos policiais, como exigência da Corte Suprema foi sustentado pela Procuradoria Geral do Estado em seu recurso para sustar os efeitos da liminar que favorecia o grupo Radium Telecomunicações. O acórdão do TCE traz que: “Sustenta que no âmbito da ADPF 635 o STF determinou ao Estado do Rio de Janeiro a instalação dos equipamentos no prazo de 180 dias; que foi respeitada a economicidade; que o licitante vencedor praticou preço inferior ao obtido pelo Estado de São Paulo; que houve a participação de diversos interessados disputa (8 licitantes); e que a representante ficou em 5º lugar, com preço 245% acima do vencedor”. A citação feita ao governo paulista se dá porque o estado instalou câmeras nos uniformes de seus agentes de segurança antes do Rio, transformando-se numa referência pela eficiência do uso do dispositivo para a diminuição da letalidade nas ações policiais.

O resultado da licitação foi divulgado em novembro pelo governo fluminense que anunciou, na época, a compra de 21.571 câmeras. A vencedora do certame foi a L8 Group, que propôs o preço de R$ 296 por cada unidade. Os equipamentos serão usados pelas polícias Militar, Civil, agentes dos programas Segurança Presente, Lei Seca, além do pessoal da Casa Civil da Operação Foco e fiscais da Secretaria da Fazenda do Estado. Também está prevista a utilização do equipamento por funcionários do Detran, Inea, Detro, Procon, Instituto de Pesos e Medidas e Departamento de Recursos Minerais em operações de fiscalização.

Além da proposta da instalação de câmeras corporais no fardamento dos agentes de segurança e de GPS nos carros da polícia, no prazo de 180 dias,  o STF também destacou outras medidas como a prioridade nas investigações de casos que envolvam crianças e adolescentes e limitações às buscas sem autorização judicial.

Ao responder às perguntas feitas pelo Extra sobre a utilização das câmeras, a Secretaria do Estado da Casa Civil, responsável pela contratação, explicou que: “As câmeras estão em fase de testes e estão sendo usadas pela Polícia Militar e pela Operação Lei Seca”. Informou ainda que “nenhum valor foi pago nesta fase de testes”, ainda em prática no 19º BPM (Copacabana). O processo de licitação foi encerrado no fim do ano passado.

A Casa Civil também informou que “outra medida importante é a aquisição de câmeras para as viaturas da Polícia Militar. Embora a Assembleia Legislativa do Rio tenha mantido o veto do governador Cláudio Castro à lei de 2009 no que tange à instalação imediata desse equipamento, o Governo do Estado do Rio já realizou audiência pública para as empresas interessadas em participar dessa licitação. Ambas as medidas atendem à ADPF 635”.

Embora o estado ainda não tenha sido notificado oficialmente sobre a decisão do STF de apresentar seu plano de redução da letalidade policial, a Polícia Militar “já elaborou um cronograma e as orientações devem ser atendidas dentro do prazo”. Segundo a assessoria de imprensa da Casa Civil, o planejamento está sendo feito por um grupo de trabalho do qual fazem parte a Procuradoria-Geral do Estado, as secretarias de Polícia Civil e Polícia Militar e o Instituto de Segurança Pública. 

A “ADPF das Favelas” foi proposta pelo PSB em novembro de 2019, mas só entrou em vigor em junho de 2020. Trata-se de uma ação coletiva com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Educafro, Justiça Global, Redes da Maré, Conectas Direitos Humanos, Movimento Negro Unificado, Iser, Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial/IDMJR, Coletivo Papo Reto, Coletivo Fala Akari, Rede de Comunidades e Movimento contra a Violência, Mães de Manguinhos. As mortes de 28 pessoas no Jacarezinho durante uma operação da Polícia Civil, considerada a mais letal da história do Rio, ocorrida em maio do ano passado, reforçou a necessidade de o STF reforçar as medidas para reduzir a letalidade neste tipo de ação em favelas.

Embora o governo do estado já tenha se antecipado para criar um grupo de trabalho para elaborar um plano que dê um freio na violência, não há nenhum representante da sociedade civil nessa discussão. O coordenador do Grupo Temático Temporário (GTT) – ADPF 635, o promotor Reinaldo Lomba, ressalta a importância de todos atuarem com essa meta.

— Há a necessidade da participação da sociedade civil para o controle social do plano de redução da letalidade, conforme ficou estabelecido na decisão da ADPF 635.  O MPRJ, como responsável pelo controle externo da atividade policial, vem acompanhando as ações nas favelas e investigando as irregularidades — afirmou Lomba.

Por nota, o MPRJ esclareceu ainda que: “O MPRJ tem adotado iniciativas para o aperfeiçoamento do cumprimento das determinações da ADPF 635, mantendo diálogo permanente com as forças policiais. Entende necessárias todas as iniciativas para a redução da letalidade. O tema da letalidade policial, a investigação de abusos cometidos por policiais, a apuração de eventuais violações de Direitos Humanos, no contexto do controle externo da política pública de segurança, são prioridades institucionais”.

As onze medidas propostas por Fachin e analisadas pela Corte são as seguintes:

Medida 1

Determinar ao Estado do Rio de Janeiro que elabore e encaminhe ao STF, no prazo máximo de 90 dias, um plano visando à redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses, que contenha medidas objetivas, cronogramas específicos e a previsão dos recursos necessários para a sua implementação.

Medida 2

Determinar que, até que o plano mais abrangente seja elaborado, o emprego e a fiscalização da legalidade do uso da força sejam feitos à luz dos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, com todos os desdobramentos daí derivados, em especial, em relação à excepcionalidade da realização de operações policiais;

Medida 3

Propor ao Colegiado que seja criado, nos termos do arts. 27, § 2º, e 30, III, do RISTF, um Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã, formado por representantes do STF, pesquisadores e pesquisadoras, representantes das polícias e de entidades da sociedade civil, a serem, oportunamente, designados pelo Presidente do Tribunal, após aprovação de seus integrantes pelo Plenário da Corte.

Medida 4

Reconhecer, nos termos dos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, que só se justifica o uso da força letal por agentes de Estado em casos extremos quando,

(i) exauridos todos os demais meios, inclusive os de armas não-letais, ele for

(ii) necessário para proteger a vida ou prevenir um dano sério,

(iii) decorrente de uma ameaça concreta e iminente. Em qualquer hipótese, colocar em risco ou mesmo atingir a vida de alguém somente será admissível se, após minudente investigação imparcial, feita pelo Ministério Público, concluir-se ter sido a ação necessária para proteger exclusivamente a vida – e nenhum outro bem – de uma ameaça iminente e concreta;

Medida 5

Reconhecer, sem efeitos modificativos, a imperiosa necessidade de, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, haver prioridade absoluta nas investigações de incidentes que tenham como vítimas quer crianças, quer adolescentes.

Medida 6

Suspender o sigilo de todos os protocolos de atuação policial no Estado do Rio de Janeiro, inclusive do art. 12 do Manual Operacional das Aeronaves pertencentes à frota da Secretaria de Estado de Polícia Civil.

Medida 7

Determinar que, no caso de buscas domiciliares por parte das forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro, sejam observadas as seguintes diretrizes constitucionais, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente policial:

(i) a diligência, no caso de cumprimento de mandado judicial, deve ser realizada somente durante o dia, vedando-se, assim, o ingresso forçado a domicílios à noite;

(ii) a diligência, quando feita sem mandado judicial, deve estar lastreada em causas prévias e robustas que indiquem a existência de flagrante delito, não se admitindo que informações obtidas por meio de denúncias anônimas sejam utilizadas como justificativa exclusiva para a deflagração de ingresso forçado a domicílio;

(iii) a diligência deve ser justificada e detalhada por meio da elaboração de auto circunstanciado, que deverá instruir eventual auto de prisão em flagrante ou de apreensão de adolescente por ato infracional e ser remetido ao juízo da audiência de custódia para viabilizar o controle judicial posterior; e

(iv) a diligência deve ser realizada nos estritos limites dos fins excepcionais a que se destinam, proibindo-se a prática de utilização de domicílios ou de qualquer imóvel privado como base operacional das forças de segurança, sem que haja a observância das formalidades necessárias à requisição administrativa;

Medida 8

Reconhecer a obrigatoriedade de disponibilização de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados;

Medida 9

Determinar que o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos.

Medida 10

Determinar ao Conselho Nacional do Ministério Público que, em 60 (sessenta) dias, avalie a eficiência e a eficácia da alteração promovida no GAESP do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, mantendo este Tribunal informado acerca dos resultados da apuração.

Medida 11

Determinar que a investigação das alegações de descumprimento da decisão proferida por este Tribunal no sentido de se limitar a realização de operações policiais e de se preservar os vestígios em casos de confronto armado, inclusive no recente episódio na comunidade de Jacarezinho, seja feita pelo Ministério.