A Justiça do Rio determinou a libertação provisória do entregador Yago Corrêa de Souza, de 21 anos. O jovem negro foi preso no último domingo, no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, após sair de uma padaria. O juiz Antônio Luiz da Fonseca Lucchese entendeu não haver provas suficientes para manter Yago preso. Os advogados disseram que não há como imputar o crime de tráfico de drogas a ele. Yago passou por audiência de custódia, por volta das 13h, na cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica.
“Diante das circunstâncias em que teria se dado a prisão, sem perder de vista que aqui há evidente necessidade de que os fatos sejam mais apurados, sobretudo diante da dinâmica dos fatos, certamente faz com que se esvaia qualquer substrato para se cogitar, neste momento, de prisão cautelar, ainda mais diante da manifestação a posteriori da autoridade policial”, disse o juiz em um trecho da decisão.
— Eu estou feliz, mas a felicidade só será completa quando ele sair. Foram dias de angústia, dor e sofrimento. Só quem passa por isso sabe. A gente tem que estar em qualquer lugar. A gente não tem que estar no local errado ou certo. Negro tem que estar onde ele quiser. Agora, a gente só quer comemora, levá-lo para casa. Daqui para frente, Deus está no controle. Vou deitar a minha cabeça no travesseiro e dormir em paz porque fiz o certo. Essa é uma sensação de alívio. Mas quantos casos como o de Yago existem por aí? — desabafou a irmã de Yago, Érica Corrêia de Souza.
Ela ressaltou que a luta da comunidade para libertar o irmão teve resultado e que não vê a hora de que ele possa voltar para casa:
— A favela quando quer tem voz sim. Nós lutamos pelos nossos direitos e fomos ouvidos sim. A favela venceu. Yago é inocente e vai voltar com a gente para casa. Não vejo a hora de ele sair por aquelas portas, abraçar, comemorar e poder deitar a cabeça no travesseiro em paz, com a sensação de dever cumprido.
O delegado assistente da 19ª DP (Praça da Bandeira), Marcelo José Borba Carregosa, que está investigando o caso, afirmou que Yago “estava na hora errada e no lugar errado”. Carregosa destacou que “houve um erro” e que a versão apresentada pela família do jovem negro detido era verdadeira.
Só após a prisão, a Polícia Civil reconheceu que Yago havia sido preso de forma equivocada. Carregosa declarou que “muitos elementos foram levados” em consideração para o pedido de soltura do entregador.
O advogado Vivaldo Lúcio da Silva Neto, que representou Yago, criticou a declaração do delegado sobre as circunstâncias em que o jovem foi preso:
— Eu gostaria que ele esclarecesse melhor essa situação de que todas as comunidades têm tráfico de drogas. Então todos os lugares são o local errado e a hora errada. Todos os lugares da comunidade infelizmente são assim, entendeu? A verdade é a seguinte: eu só quero é ser feliz, viver tranquilamente na favela onde eu nasci — destacou o advogado, citando um famoso funk carioca.
Para o advogado, a prisão jo entregador negro é mais um caso de racismo estrutural:
— O Poder Judiciário entendeu pela liberdade. O próximo passo é mostrar que ele não faz parte do tráfico. Até o dia 10 de março, ele virá para assinar e esperamos que haja a absolvição. O que aconteceu foi racismo estrutural — avalia.
Ao saberem da determinação do juiz, parentes e amigos que aguardavam na entrada da cadeia comemoraram batendo palmas, gritando, pulando e gritando o nome de Yago. O advogado do entregador destacou o empenho para a solução do caso.
— O Ministério Público facilitou, opinou favoravelmente. Os funcionários do Ministério Público também ficaram todos comovidos. Na verdade, foi um trabalho em conjunto da sociedade. A gente não pode mais passar por isso. Os jovens negros não podem mais ser massacrados nas comunidades e nas favelas — disse o advogado.
‘Prisão não se mostra adequada’
O juiz Antonio Luiz da Fonsêca Lucchese destacou na decisão que, “no que diz respeito à conversão da prisão em flagrante em preventiva, entende este magistrado que a prisão não se mostra necessária, adequada ou proporcional”.
Ele ainda afirma que o delegado notou inconstância na prisão e pediu a soltura do rapaz. “Digno de nota que o delegado registrou a superveniência de fato que coloca em dúvida a participação do custodiado na prática de crimes de tráfico e associação para o tráfico, ainda mais quando consignou que não existe conflito entre as versões dele a dos policiais, já que a bolsa com as drogas estaria com o adolescente, não tendo sido apurado, segundo registrado, vínculo entre o indiciado e o referido adolescente. Ante tal contexto, denota-se que não há a gravidade em concreto para se justificar a prisão neste momento”.
Juntamente com Yago, foi apreendido um adolescente que, segundo policiais do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq), estava com uma bolsa com 32 pinos de cocaína, 32 papelotes de skunk (maconha mais potente) e 58 papelotes de maconha. De acordo com agentes, Yago teria corrido juntamente com o menor, o que os levou a acreditar que estivessem juntos em fuga. A Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM) afirmou que os dois foram conduzidos à 25ª DP para o registro da ocorrência e ressaltou que a abordagem de rotina respeitou todos protocolos e normativas previstas na atuação policial, “não havendo qualquer inconformidade com a atuação da equipe em policiamento”.
O jovem foi levado sob suspeita de estar associado ao tráfico de drogas no Jacarezinho, comunidade que está ocupada desde 18 de janeiro como parte do programa Cidade Integrada. Porém, de acordo com o delegado assistente, não ficou comprovado qualquer relação entre o entregador e o menor. Carregosa disse que “era preciso acender um sinal amarelo para evitar uma injustiça”.
Imagens de câmeras de segurança mostram o momento em que Yago entra em uma padaria para comprar pão para um churrasco de família. Parentes do jovem negro contam que ele é inocente e que, no momento da prisão, Yago apenas tinha passado em uma farmácia para se abrigar de uma “correria de policiais militares”.
As imagens reforçam a versão da família. Em um dos vídeos, feito na padaria, às 19h34m, Yago aparece de bermuda jeans e camisa do Flamengo comprando pão. O vídeo mostra a atendente servindo ao menos sete pães a Yago, que pega o pedido e caminha em direção à porta do estabelecimento.
A outra gravação é de câmeras da farmácia para onde familiares do jovem e uma testemunha contam que Yago correu ao notar uma confusão na rua envolvendo policiais militares.
Nas imagens da drogaria, não é possível saber qual é o horário em que Yago aparece entrando às pressas na drogaria e com as mãos levantadas, como se estivesse se rendendo. Em uma das mãos ele segura o saco com pães. Em seguida, um PM com um fuzil também entra no local apontando a arma na direção de Yago. Na sequência, o jovem é levado pelo policial militar enquanto outras pessoas observam a cena.
‘Negro na favela sempre é considerado como suspeito’
O carpinteiro Jorge Luís Silva de Souza, de 39 anos, tio do rapaz, contou que “Yago é muito tranquilo, prestativo e nunca teve problemas com ninguém”. Ele relata ainda que “negro na favela sempre é considerado como suspeito”.
— O negro não tem oportunidade na comunidade e a gente só vê negro preso. Negro sem oportunidade é visto como bandido na comunidade. Ele foi julgado pela aparência e pela cor. Em nenhum momento eles querem saber quem somos. Somos negros e quando saímos pela comunidade somos suspeitos sempre — disse o carpinteiro, que completou:
— Essa polícia da proximidade que o governador prometeu é uma balela. Ela não existe lá no Jacarezinho — desabafou.