Jornal Povo

Partidos priorizam puxadores de voto para vencer rigor da cláusula de barreira e sobreviver

A cláusula de barreira mais rigorosa nas eleições deste ano tem feito partidos reavaliarem estratégias e apostarem em candidaturas “de peso” para manter ou ampliar a fatia de recursos no fundo partidário e o acesso ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão.

Aprovada pelo Congresso Nacional em 2017, a cláusula de barreira ou desempenho começou a valer nas eleições de 2018. O objetivo é enxugar o número de partidos com representação no Legislativo. Atualmente, 32 siglas têm registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e 23 têm representação na Câmara dos Deputados.

De acordo com legislação, a partir de 2023, só terá direito ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e TV o partido que alcançar, nas eleições deste ano para a Câmara dos Deputados, o mínimo de 2% dos votos válidos – distribuídos em ao menos nove estados, com pelo menos 1% dos votos em cada um – ou eleger 11 deputados em nove estados.

As siglas que não conseguirem alcançar uma dessas metas terão direito somente à divisão do fundo eleitoral, usado para financiar as campanhas e que não está condicionado à cláusula de barreira.

Em 2018, nove partidos não alcançaram o mínimo de votos válidos necessários (1,5%) no primeiro ano de aplicação da cláusula de desempenho: DC, PCB, PCO, PMN, PMB (Brasil35), PRTB, PSTU, PTC e Rede.

Além desses, se levado em consideração o critério a ser adotado na eleição deste ano, outros seis partidos não alcançariam 2% dos votos válidos: Avante, Cidadania, PCdoB, PV, PSC e Solidariedade.

Para Fernando Meireles, doutor em ciência política pela Universidade de Federal de Minas Gerais, a cláusula de barreira deve criar um sistema partidário e eleitoral mais representativo e democrático.

“As metas colocadas pela cláusula de barreira devem trazer um novo cenário para o nosso sistema partidário. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, os presidentes eleitos precisaram criar coalizões e se aliar a atores político-partidários apenas para garantir uma sobrevivência. Com a cláusula e o fim das coligações em eleições proporcionais (deputados federal e estadual, e vereadores), isso pode ficar no passado a partir da próxima década. O Brasil poderá experimentar, pela primeira vez, um sistema em que a representatividade será, de fato, o primordial”, afirmou.

Segundo Meireles, uma redução no número de partidos aptos a funcionar no Brasil pode resolver a “crise de representatividade” popular no Legislativo.

“É claro que algumas reformas eleitorais podem gerar distorções, mas estudos mostram que uma redução partidária não inviabiliza a representação da sociedade. Pelo contrário, um número menor de partidos deixa mais claro ao eleitor o que está em jogo nas disputas. Em países que experimentaram reduções partidárias e sistemas mais enxutos, é visível que um número menor de siglas traz mais representatividade e amplia o debate em pautas defendidas pelos diversos ramos da população”, disse.

Partidos

Ameaçados pela meta de desempenho, que pode inviabilizar o funcionamento das siglas, os dirigentes partidários começam a apostar no lançamento à Câmara dos Deputados de candidatos já conhecidos pelo eleitor.

Chamados de “puxadores de voto” no meio político, essas personalidades devem ter as campanhas priorizadas pelos partidos a fim de elevar a quantidade de votos do partido e contribuir para a sigla alcançar ao menos, um dos requisitos: 2% dos votos válidos em pelo menos nove estados.

Um dos partidos atualmente impedidos de ter acesso ao fundo partidário, a Rede Sustentabilidade tem trabalhado desde o último ano na escolha de candidatos conhecidos.

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A estratégia passa pelo lançamento de Heloísa Helena, ex-senadora por Alagoas e candidata à Presidência em 2006, a deputada federal pelo Rio de Janeiro.

Segundo o porta-voz nacional do partido, Wesley Diógenes, a legenda espera superar os 2% de votos válidos e eleger de sete a nove deputados federais.

Em Pernambuco, a Rede aposta na reeleição do deputado Túlio Gadêlha e no lançamento das candidaturas de Paulo Rubem e Maurício Rands, dois ex-deputados federais.

Em Roraima, os esforços serão para reeleger Joênia Wapichana, primeira mulher indígena deputada. Em Minas Gerais, o partido deve apostar em Paulo Lamac, ex-vice-prefeito de Belo Horizonte.

Há ainda o desejo de ver Marina Silva – fundadora do partido, ex-ministra e ex-senadora – disputar uma cadeira na Câmara pelo estado de São Paulo, maior colégio eleitoral do país.

“Estamos trabalhando muito para que Marina seja deputada federal por São Paulo. Ainda não temos certeza, mas é um desejo nosso”, declarou Diógenes.

Entre os partidos de esquerda, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) também tem traçado planos para o lançamento de candidatos que, na avaliação da legenda, têm chance de fazer uma grande votação.

O PSOL trabalha para fortalecer as disputas em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, onde a principal aposta é Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ex-candidato a presidente (2018) e a prefeito de São Paulo (2020).

Boulos era pré-candidato do partido ao governo do estado, mas abandonou a possibilidade para ajudar a sigla a superar a cláusula de barreira. Em 2020, no primeiro turno da disputa pela prefeitura da capital paulista, o líder do MTST conquistou 1,07 milhão de votos válidos.

A mudança de Boulos foi influenciada pela saída do PSOL do deputado Marcelo Freixo. Freixo migrou para o PSB, partido pelo qual buscará se eleger governador do Rio de Janeiro. Dos 2,7 milhões de votos do PSOL em 2018, 342 mil vieram da candidatura de Freixo a deputado federal.

Também estão no plano do PSOL a reeleição da deputada Luiza Erundina, ex-ministra e ex-prefeita de São Paulo, e a eleição da líder indígena Sonia Guajajara, que integrou a chapa de Boulos na disputa presidencial de 2018 como candidata a vice; além de Erika Hilton, primeira mulher trans eleita vereadora na cidade de São Paulo. Nas eleições municipais de 2020, ela recebeu 50,5 mil votos.

Sigla do delator do mensalão, Roberto Jefferson, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) acumula problemas com a Justiça e apostará em uma lista de candidatos ligados ao agronegócio para robustecer numericamente a bancada na Câmara, atualmente com somente quatro deputados.

De acordo com o líder da bancada, o deputado Paulo Bengtson (PTB-PA), a sigla lançará o máximo possível de candidatos em todos os estados e, em 22 unidades da federação, a maioria dos nomes será de ruralistas.

Na lista, está o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Antonio Galvan, alvo do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga incitação a atos violentos e ameaçadores contra a democracia.

“A nossa previsão honesta – sem exagero, mas também sem pessimismo – é elegermos entre 14 e 18 deputados para a próxima legislatura. E então a gente passa a cláusula de barreira e mantém o partido vivo”, afirmou Bengtson.

Mas o PTB a também apostará em nomes controversos que figuraram nas páginas policiais dos jornais nos últimos anos.

É o caso do bolsonarista Marcos Antonio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, que chegou a ser preso por ordem do STF no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos. O PTB pretende lançá-lo candidato a deputado federal por Santa Catarina.

No Rio de Janeiro, existe a possibilidade de o partido lançar para deputado federal Fabrício Queiroz, amigo e ex-assessor da família Bolsonaro. O policial militar aposentado, que atuou no gabinete de Flavio Bolsonaro, foi apontado pelo Ministério Público como operador de um esquema de “rachadinha” no gabinete de Flavio, quando o filho mais velho de Jair Bolsonaro era deputado estadual no Rio.

Líder do PTB na Câmara, Paulo Bengtson não vê Queiroz como um possível “puxador de voto”.

“Ele está na mídia, mas não por coisa que seja atratativa para voto. Diferentemente do deputado Daniel Silveira, que tem um público que é contrário ao que aconteceu com ele. Não estou fazendo juízo de valor, mas ele tem um grupo de seguidores muito grande que conquistou por conta de seus posicionamentos. Muito diferente de um Fabrício Queiroz, cuja história já passou, a página já virou”, disse Bengtson.

Quando menciona Daniel Silveira, o deputado se refere ao recente caso em que o parlamentar resistiu, mas foi obrigado a colocar tornozeleira eletrônica, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Silveira está cotado para concorrer ao Senado pelo PTB e ajudar pedindo votos para deputados da sigla.

Ainda de acordo com Bengtson, o PTB tem, no Rio de Janeiro, a expectativa de lançar o presidente de honra do partido, Roberto Jefferson, como candidato à Câmara dos Deputados.

“Como ele está incomunicável [por decisão judicial], a gente não sabe o que ele vai fazer, mas penso que, se vier a federal, ele vai poder trazer muita gente com ele porque ele está bem avaliado pelo público que representa. Seria um grande puxador de votos no Rio”, projeta o congressista.

Desidratado e com dificuldade de renovação de seus quadros, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que já foi um dos maiores do Congresso Nacional, conta atualmente com 26 deputados.

Para aumentar a representatividade no Congresso, o partido formalizou uma federação com o Cidadania, e deve lançar como candidato “de peso” para a Câmara dos Deputado o senador José Serra (PSDB-SP), que já foi chanceler, ministro da Saúde e governador de São Paulo, além de deputado constituinte.

Nome forte no maior colégio eleitoral do país, Serra está com 80 anos e recentemente anunciou que está com Parkinson. Desde o início da pandemia, o parlamentar foi visto poucas vezes nos corredores do Senado. Ainda assim, a sigla aposta em uma votação expressiva para o tucano.

Hoje com nove deputados federais o Podemos tem como principal aposta para puxar votos — como candidato a deputado federal — Deltan Dallagnol, ex-procurador e ex-chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná.

Dallagnol já declarou que permanecerá no Podemos mesmo com a saída do partido de Sergio Moro, ex-juiz e ex-ministro da Justiça, que se transferiu para o União Brasil.

Pesquisas encomendadas por candidatos de outras legendas no estado mostram que Dallagnol lidera a corrida para ser um dos representantes da bancada paranaense na Câmara.

partido Novo, que disputou as primeiras eleições para a Câmara dos Deputados em 2018, deve lançar neste ano o dobro de candidatos a deputado federal em relação ao pleito passado. O objetivo é ter mais chances de ampliar o número de cadeiras pelo quociente partidário.

Para alcançar a meta, no entanto, o Novo diz refutar a ideia de lançar candidatos exclusivamente pelo critério de visibilidade.

“A gente não vai trazer um Tiririca da vida só para conquistar os votos dele, independentemente das posições políticas e ideias que ele tenha. A gente quer ter bons quadros sendo lançados. Se forem bons quadros com uma certa visibilidade, ótimo. A visibilidade é um fator que ajuda, mas não que garante a presença do nome na nossa chapa”, afirmou o líder do Novo na Câmara, Tiago Mitraud (MG).

De acordo com o deputado, a legenda está “segura” de que superará a cláusula de barreira e tem como objetivo em 2022 duplicar a bancada do Novo, atualmente com oito integrantes.

Federações partidárias

Além de apostar em candidaturas de peso, Rede e PSOL também buscam formar uma federação partidária. A união entre os partidos já foi aprovada pela Rede, mas para ser concretizada ainda depende de uma última aprovação por parte do diretório nacional do PSOL, o que deve acontecer em abril.

Juntos, os partidos esperam eleger 20 parlamentares. Em 2018, dos dois, somente o PSOL conseguiu cumprir a cláusula de desempenho.

As federações são inovação nas eleições deste ano. O mecanismo foi aprovado em 2021 e exige a união das legendas federadas pelo prazo mínimo de quatro anos.

No caso de uma federação, a cláusula de desempenho será calculada com a soma dos votos dos partidos que a compõem. Na prática, a união é uma forma de garantir sobrevida às siglas ameaçadas pelo aumento gradativo das metas de desempenho.

Mas, para já valer nas eleições deste ano, os partidos que desejarem se unir terão de apresentar o pedido ao TSE até 31 de maio. Após esse prazo, as federações formadas e confirmadas pelo Tribunal não terão efeito no pleito de 2022.

Além da Rede Sustentabilidade, outras três siglas apostam em federações com legendas que historicamente somam altos índices de votação: PCdoB e PV devem se unir ao PT; e Cidadania já formalizou o pedido para se juntar ao PSDB.

Com os critérios que serão levados em consideração neste ano, os três partidos teriam muitas dificuldades para superar o desempenho mínimo esperado.

Fonte: G1