Jornal Povo

Como vem a Beija-Flor? Na luta contra o racismo, Nilópolis quer ser o lugar de fala da comunidade negra

Enredo vai mostrar a verdadeira contribuição dos povos africanos para a humanidade, apagada ao longo dos séculos. Desfile vai mostrar uma escola orgulhosa de sua origem.


Beija-Flor: veja um trecho do samba

Mais do que uma simples volta ao passado para contar a sua própria história, a Beija-Flor de Nilópolis quer provocar uma reflexão sobre questões como o racismo. Ou seja, quer valorizar a luta, o trabalho, a fé e as artes dos negros na história da humanidade e na origem da escola. No carnaval de 2022, a Beija-Flor quer ser o lugar de fala de sua própria comunidade.

Beija-Flor: veja um trecho do samba

Resumo

  • Desfila a que horas? Sexta (22), entre 3h e 3h50, já na madrugada de sábado
  • Vai falar sobre o quê? A história sob a ótica negra e seus personagens
  • Qual o título do enredo? Empretecer o pensamento é ouvir da voz da Beija-Flor

Como vem?

O escudo e a arma de Xangô na decoração de um dos carros da Beija-Flor de Nilópolis — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

O escudo e a arma de Xangô na decoração de um dos carros da Beija-Flor de Nilópolis — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Segundo o carnavalesco Alexandre Louzada, somente a partir do momento que se conhece a verdadeira contribuição dos povos africanos é que se obtém a imagem de pessoas que criam e constroem.

“Foram anos e anos de desconhecimento, focado no pensamento da elite dominante, do colonizador europeu. Então, quando a gente começar a descobrir a verdade, de personagens e histórias esquecidas, apagadas, a gente passa a valorizar a luta, a cultura, o trabalho em especial de nossos ancestrais, do povo preto. Chamei o carnavalesco André Rodrigues para ser meu assistente justamente porque precisava de alguém que tivesse sentido o racismo e o preconceito, já que eu não vivi essa verdade. Era preciso ouvir essa emoção para contar com coerência na Avenida”, disse Louzada.

Azul, branco e dourado serão as cores que vão ser mais presente do setor que fala da filosofia africana, na Beija-Flor — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Azul, branco e dourado serão as cores que vão ser mais presente do setor que fala da filosofia africana, na Beija-Flor — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

O carnavalesco quer levar à luz na Avenida toda a contribuição cultural e artística dos povos africanos para a humanidade, que ao longo de séculos sofreu uma espécie de apagamento histórico. Mas não vai retratar o sofrimento da escravidão em seu desfile.

“Minha intenção é provocar questionamento, fazer com que as pessoas busquem a verdadeira história para que possam se orgulhar de suas origens. Os povos africanos não eram tribais primitivos e exóticos, como muita gente pensa. Não, eles têm uma cultura riquíssima. E é isso que a Beija-Flor vai mostrar”, disse Louzada.

Depois de mais de dois anos longe da Sapucaí por causa da pandemia, Louzada está preparando uma volta luxuosa da Beija-Flor. Segundo ele, o tempo que teve para preparar o carnaval fez com que ele se dedicasse mais aos detalhes. Não só no que se refere ao visual, mas também no aprimoramento do canto, da evolução, da técnica.

“Todos já fizeram enredos de exaltação do negro, como a própria escola. Mas o enredo de 2022 é provocativo. A Beija-Flor é a escola que melhor pode defender esse enredo porque é legítima representante de um quilombo, em Nilópolis. Além de ter vários projetos de cunho social para sua comunidade, é um quilombo no sentido que é um lugar para se conviver, se manifestar e se divertir.

Durante os dois anos de pandemia sem carnaval, Beija-Flor teve tempo de caprichar nos enfeites e detalhes para o desfile de 2022 — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Durante os dois anos de pandemia sem carnaval, Beija-Flor teve tempo de caprichar nos enfeites e detalhes para o desfile de 2022 — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

O preto é a cor que vai predominar no início do desfile da Beija-Flor. Primeiro por ser uma afirmação do povo preto, mas principalmente como uma homenagem ao carnavalesco Joãosinho Trinta, que em 17 carnavais pela escola levou cinco títulos para Nilópolis.

Logo depois, a escola começa a discutir a filosofia africana, com grandes pensadores do Egito. Nesse setor, azul, prata e muito dourado vão dar o tom da história.

A escola jogará luz em grandes artistas, como pintores, escultores e artesãos que na diáspora africana trouxeram seus conhecimentos, artes e fé para o Brasil. E vai fazer uma relação da iconografia dos orixás africanos com artistas negros brasileiros como Aleijadinho, Rosana Paulino, Mestre Valentim e os irmãos Rebouças, entre outros.

A Beija-Flor aparece como o pássaro mítico sankofa, que voa para frente, tendo a cabeça voltada para trás e carregando no seu bico um ovo, o futuro. “É como a escola se vê hoje em dia”, como explica Louzada.

“É um povo que caminha para o futuro, mas sem esquecer suas origens. Eles têm orgulho do que ele é hoje. E aí, vamos citar grandes escritores como Machado de Assis, Cruz e Sousa, Lima Barreto, Maria Carolina de Jesus, Maria Firmina dos Reis, Nei Lopes. É um setor de cores suaves, como lilás, salmão, verde água, alaranjado, que virão numa favela feita de livros”, revelou Louzada.

Beija-Flor entra na luta contra o racismo a partir da valorização do trabalho, da fé e das artes dos ancestrais africanos — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Beija-Flor entra na luta contra o racismo a partir da valorização do trabalho, da fé e das artes dos ancestrais africanos — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Outras artes estarão representadas em menções ao Teatro Experimental do Negro, e nomes como Benjamim de Oliveira, Abdias do Nascimento, Mercedes Batista. Segundo Louzada, depois de exposto todo esse conhecimento, vai ser a vez de a Beija-Flor valorizar a sua própria história e personagens, num levante contra o preconceito e o racismo.

“Vai ser o grande momento da Beija-Flor, que vai mostrar a influência do negro na fé, nas artes, na moda, na música. Esse vai ser o momento de ouvir o que a Beija-Flor tem para falar, a partir de personagens como o compositor Cabana, Pinah, Neguinho, Sônia Capeta, ícones da escola e outras 50 personalidades negras, que ajudaram a forjar esse sentimento”, disse Louzada, que promete para o final do desfile uma homenagem especial ao diretor de carnaval Laíla.