Jornal Povo

Primeira noite do Grupo Especial é marcada pela nostalgia e reconexão na Sapucaí

A volta à Marquês de Sapucaí depois de 26 meses, ainda com as feridas coletivas ardendo pelo trauma pandêmico compartilhado por toda uma geração, não podia deixar de ter um sabor especial. E a essência que passou por todos os desfiles da primeira noite do Grupo Especial trazia um forte componente nostálgico: a atmosfera de reconexão, de olhar pra dentro de si, de volta ao passado, de reafirmação de nossas raízes, encheu os olhos de quem esteve no Sambódromo na sexta-feira.

Foi uma noite em que a imagem de seu Djalma Sabiá no abre-alas do Salgueiro acelerou mais o coração do que a bateria Furiosa. Uma noite em que a homenagem a Laíla no último carro da Beija-Flor emocionou mais do que qualquer pirotecnia da comissão de frente.

O solo-terreiro da Passarela do Samba tem suas próprias escrevivências, e é por isso que ver Delegado dançando sobre uma caixinha de música fala mais à alma dos sambistas do que ver a Dona Hermínia de Paulo Gustavo na São Clemente. Não é que a lembrança da trágica morte do humorista não tenha tocado o público – ao contrário, foi uma das perdas mais sentidas no país inteiro no último ano. Mas cada palco tem seus códigos (PG entendia bem disso), e a Sapucaí sabia que era hora de se reconectar com as energias que construíram os castelos-palafitas do samba.

Foi por isso que Arlindo Rodrigues passou com tanta tranquilidade por aquela Avenida, sereno como de costume, mas levando a Imperatriz a fazer uma abertura de desfile como há muito tempo não víamos. Um enredo que traz a própria carnavalesca como personagem, rosetando na última alegoria, testemunha vivíssima do que nos contou em cenários e figurinos, é a prova de que a roda viva da folia gira, mas sempre com os mais novos reverenciando os mais velhos. É ancestralidade, é respeito aos cabeças-brancas, é uma geração passando seus ensinamentos à seguinte, para que nunca percamos o contato com a árvore original – fruto bom não cai longe do pé.

E a ala de Mangueira com os diversos desenhos de pavilhões defendidos por Neide, nas mais variadas combinações do verde e do rosa, geometrias infinitas que levavam à mesma estação primeira? A cada giro das porta-bandeiras, o vento subia revelando o passo dos calcanhares de Delegado, tornando testemunhas do dançarino mesmo aqueles que nunca o viram em ação. Na incrível comissão de frente, o trio de heróis mangueirenses reencontrava os meninos que eles foram um dia, em cena tão singela quanto alucinante, fazendo de um simples abraço a imagem mais revolucionária da noite.

Foi justamente essa emoção que faltou à Viradouro. Num enredo sobre o carnaval pós-pandemia de 1919, o que o público esperava – e o samba prometia – era uma conexão com as mesmas sensações que estamos vivendo nessa volta versão 2022 à Sapucaí. Mas o desfile trouxe apenas a descrição histórica de cocotas e boêmios de época, sem tirar nossa máscara num clima envolvente. Faltou olhar pra dentro. A gente queria lirismo.

O Salgueiro também teve dificuldade de conectar o passado e o presente das contribuições da negritude para a nossa cidade. A imagem mais impactante foi a de Sidclei e Marcella com figurino à moda antiga, perucas brancas batendo cabeça para os que defenderam aquela bandeira em outros carnavais. A Beija-Flor teve mais sucesso ao atualizar a luta negra com  o sabor de hoje, escola lindamente empretecida, peles-atabaques regidas pela sinfonia certeira dos mestres Rodnei e Plínio. O título é logo ali.

Mas a verdade é que nenhuma escola pegou na veia neste primeiro dia de desfiles do Grupo Especial. Se vivemos momentos pontuais de emoção, eles foram mais de comoção contida do que de êxtase incontrolável. A magia não se fez, porque ela requer outros elementos que não foram alcançados por nenhuma agremiação. Desfile de escola de samba precisa de música boa, dança contagiante, uma mensagem bem compreendida pelo público e, neste ano, a tal dose de reconexão. Não conseguimos ver tudo isso junto na sexta-feira, mas pelo menos entendemos o quanto é bom olhar pra nossa própria história. E, quando vier o “combo” completo, a explosão vai ser ainda mais intensa.