Jornal Povo

Vistoria no IML do Rio aponta risco de desabamento, e Justiça determina plantão permanente de bombeiros

Uma vistoria do Ministério Público, feita em 2019, apontou risco de curto-circuito, choque elétrico, quedas, incêndio e até de desabamento do prédio do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto, no Centro do Rio.

A Justiça determinou que uma equipe de resgate fique de prontidão para agir e, há 4 anos, bombeiros ficam de plantão, 24h por dia.

Mesmo assim, o serviço não pode parar. É no local que famílias enfrentam a dor de reconhecer parentes.

“Vir aqui já é um peso muito grande. Sempre que a gente vem, a gente encontra familiares numa situação de perda que exemplifica o peso que é estar presente aqui. E o serviço que aqui é oferecido pra população do Rio de Janeiro é péssimo”, diz o engenheiro mecânico Nelson Magalhães Júnior.

De fora, se vê que o prédio não é antigo. Foi construído em 2009 e custou R$ 32 milhões. Mas sofre com a falta de manutenção. As janelas ficam abertas porque o ar-condicionado não funciona. Há infiltrações, pisos quebrados e e banheiros sem condições de uso.

Lá dentro, fotos de funcionários mostram rachaduras nas paredes e o teto quebrado.

Teto no IML do Centro do Rio — Foto: Reprodução

Um especialista em gerenciamento de risco diz que a demora em resolver o problema estrutural pode aumentar o perigo.

“A questão do contingenciamento é colocada como uma forma de manter a instalação disponível pra sociedade enquanto se faz um planejamento da obra e se inicia esse planejamento de execução. O próprio documento fala disso. Exige um cronograma. Porém, se esse cronograma existe, ele não foi cumprido”, diz Gerardo Portela.

“É um risco para aqueles que estão usando o prédio e também o risco de perder uma instalação tão estratégica para o funcionamento do estado, do município.”

Em 2021, o estado começou uma obra de reforma, que parou logo depois. Agora, uma nova placa foi instalada no portão. Indica prazo de 180 dias, mas não diz quando começou.

A falta de estrutura também compromete o atendimento.

Prédio do IML no Centro do Rio — Foto: Reprodução

A Associação Brasileira de Criminalística denuncia que o setor de toxicologia está fechado. É onde os legistas analisavam, por exemplo, suspeita de envenenamento. E mais: das quatro salas de necropsia do IML, três estão fechadas.

“Isso atrapalha demais, demora muito a liberação do corpo, porque o volume de cadáveres é grande no IML do Centro e, com isso, as perícias com certeza passam a ser feitas com mais rapidez e com menos qualidade”, diz Denise Rivera, diretora da associação.

“Não tem menor a menor condição de trabalhar nessas salas, e a que está ativada, ela está sem ar-condicionado.”

Funcionários contam que foi em uma dessas salas quentes que um gambá foi flagrado comendo um corpo, em janeiro.

Gambá é filmado comendo parte de corpo no IML do RJ — Foto: Reprodução

O setor de corpo de delito, na entrada lateral do prédio, também tem problemas.

Uma foto mostra uma das salas. Não tem onde lavar as mãos entre um exame e outro. Em outra, há pia, mas não tem torneira.

“Você pegar, examinar uma pessoa que tenha alguma doença que seja contagiosa e você não tem como lavar as mãos, como é que você vai trabalhar e depois examinar um outro paciente?”, questiona Denise.

Aparelho de ar-condicionado sem manutenção no IML — Foto: Reprodução

Déficit de legistas

O sindicato ainda denuncia a falta de peritos legistas. O déficit é de 333 profissionais no estado, nas contas da própria Secretaria de Polícia Civil.

Só o IML do Centro do Rio precisa contratar mais 21 para funcionar com toda a capacidade.

A consequência é a demora na liberação dos corpos. Na semana passada, um homem esperou mais de 5 horas para reconhecer o primo, que morreu afogado. E não conseguiu. Ele teve que voltar no dia seguinte para tentar de novo.

“O corpo do meu sobrinho estava do lado de fora, onde os carros da funerária param para colocar os caixões. Não tava numa geladeira, nada. Tava num aspecto horroroso, entendeu? Um odor horrível. Eu só consegui verificar pelas tatuagens dele.”

“Eu penso que teria que ter mais estrutura, né? Mais funcionário, mais amor ao próximo”, disse Márcio Paes.

Há nove meses, Nelson Magalhães não consegue o laudo da necropsia no corpo da irmã.

“Os únicos dois laboratórios que têm há quase um ano estão em obra. Isso é um absurdo e eu não consigo um papel muito simples, o que está dificultando pra resolver diversas situações familiares.”

“Eu tenho que ficar vindo aqui todo mês, nesse péssimo ambiente, sendo muito maltratado pelos funcionários. Eu já venho sem esperanças.”

IML no Centro do Rio — Foto: Reprodução

O que dizem a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros

 

Responsável pela estrutura do IML, a Polícia Civil disse que está investindo mais de R$ 6,5 milhões numa grande reforma do prédio. Disse que há laboratórios e aparelhos de ar-condicionado, mas parte do sistema elétrico ainda está em licitação.

Sobre a falta de profissionais, a Polícia Civil informou que existem concursos em andamento para reforçar o efetivo, inclusive para o cargo de perito legista. Que prevê o aumento de 62 vagas e que a previsão é que esses novos servidores estejam trabalhando até o final do ano.

Sobre a documentação da irmã do engenheiro mecânico Nelson Magalhães, a polícia disse que essa é uma peça de investigação.

E sobre a questão estrutural, a polícia informou que as obras de reforço foram feitas e que nesse momento não há risco de desabamento.

Já o Corpo de Bombeiros falou que existe uma decisão judicial determinando que equipes sejam mantidas no IML, em plantões de 24h por dia.

IML no Centro do Rio — Foto: Reprodução