Jornal Povo

‘Só vou estar satisfeito quando conseguir a medalha de ouro’, diz Arthur Elias, novo técnico da seleção brasileira

Arthur Elias comanda primeiro treino da seleção brasileira feminina — Foto: Divulgação/CBF

O novo técnico da seleção brasileira feminina de futebol, Arthur Elias, teve seu primeiro contato com o grupo de jogadoras ao longo dos últimos oito dias na Granja Comary, em Teresópolis. Período suficiente para o treinador, que agora vai voltar às atenções ao Corinthians, na Libertadores, ter algumas certezas e impor suas ideias: o Brasil não está tão atrás das demais seleções, tem condições de sonhar grande em Paris-2024 e vai voltar a jogar o futebol ofensivo característico do país.

O que você pôde observar do grupo que convocou?

Fiquei muito satisfeito. Também tivemos muito trabalho e muita dedicação para entender as novas ideias que estamos trazendo. Tenho certeza de que depois desse período de treinamento, a equipe está pronta para poder ser testada em amistosos internacionais (a próxima Data Fifa será no fim de outubro).

Você sempre disse que pensa o futebol de uma forma diferente da ex-técnica Pia Sundhage. Que forma é essa?

Um futebol de máximo possível de posse de bola, e que essa posse seja convertida em chance de gols. Um futebol que seja objetivo, eficiente e também tenha a cara da cultura brasileira. Aquilo que a nossa jogadora faz de melhor, que é realmente conseguir envolver o adversário. Eu busco um futebol fluido na parte ofensiva. Acho que isso é a natureza delas, é como se sentem bem jogando. Mas precisamos manter a organização defensiva para não darmos espaço aos adversários, e termos a transição como um ponto forte, pois temos jogadoras com muita velocidade.

Você acha que estava faltando ao Brasil jogar com a cara de seleção brasileira?

Acho difícil ficarmos rotulando assim… Mas vejo que elas ficaram muito felizes por trazer essa possibilidade de jogar um futebol com mais coragem, de forma mais sincronizada, que elas se aproximam e consigam entender de forma clara as relações ofensivas dentro do campo. Acho que o futebol brasileiro sempre foi isso, potencializando o talento e a qualidade das nossas jogadoras.

Você e Fernando Diniz (técnico da masculina) se assemelham nesse sentido?

Estamos bem servidos no sentido de resgatar o que a jogadora tem de melhor, que é esse vínculo com o jogo de rua. É muito importante que tenham a intenção nas ações, que entendam a proposta do trabalho. Mas elas também precisam ter a intuição, que tem a ver com as experiências que tiveram ao longo da carreira. Esse jogo intuitivo e o instintivo me interessam muito. Colocar o instinto dentro de campo quer dizer que a jogadora está realmente presente, de forma intuitiva além da forma intencional.

Como tem sido a sua vida desde o seu anúncio como técnico da seleção brasileira? Mudou da água para o vinho?

Da água para o vinho não, porque é futebol. Estou vivendo esse momento intensamente. Claro que o volume de trabalho é muito alto, porque são duas grandes responsabilidades. É a seleção brasileira e agora vou encerrar o meu ciclo no Corinthians, com a Libertadores. É uma competição intensa, de muitos dias, em outro país. O trabalho é árduo, e, às vezes, fico até a madrugada estudando e analisando a seleção e o clube. Mas faço isso com o maior prazer, e sei que é dessa maneira que conseguimos conquistar as coisas.

Como tem sido a dupla jornada?

Esses dias aqui foram 100% pensando na seleção brasileira. Até pela confiança que eu tenho em toda a comissão técnica do Corinthians que ficou lá. A partir de quinta, estarei no Corinthians. Viajamos para a Colômbia no início da semana e o foco vai ser obviamente a disputa de mais um título. Mas como é muito perto do período da próxima convocação, eu vou precisar dividir um pouquinho, tirar algumas horas para me dedicar ao trabalho da seleção. Vai ser bem corrido (risos).

A seleção ainda não tem profissionais no departamento de futebol feminino. Você está participando das decisões?

O presidente (Ednaldo Rodrigues) tem dividido muito comigo, as escolhas das adversárias, as conversas sobre planejamento, as possíveis pessoas que podem chegar para cada cargo. Temos uma relação próxima, ele tem escutado muito. Mas também entendendo que não precisamos ter pressa, precisamos tomar decisões acertadas para que a seleção tenha profissionais sempre muito competentes à altura. Estou muito otimista, estamos no caminho certo.

Você pretende ter essa função mais de “manager” na seleção?

Isso é só uma nomenclatura. Eu fiz isso em todos os meus trabalhos. Eu ajudei na liderança do grupo de atletas, na liderança técnica, mas também participando das decisões. Se for assim na CBF, como temos tido muito diálogo aqui, acho que esse é um caminho mais eficiente, pois conseguimos juntar o olhar técnico ao olhar de planejamento e administrativo. Quanto mais integrado for, com certeza vai ter um resultado melhor para a seleção brasileira.

Como será o desafio de gerir um grupo com o qual você não terá contato o tempo todo?

Com certeza é diferente. É difícil mobilizar todas as atletas e fazer a gestão… nem gosto muito dessa palavra… mas estabelecer relações de verdade, de honestidade, de trabalho, de valores. É isso que eu faço em todo lugar que eu vou, e isso não vai ser diferente aqui na seleção. Mas mudando a mentalidade, colocando o Brasil como uma seleção para brigar por títulos, precisamos que as atletas venham para cá e aproveitem todos os dias e todos os minutos aqui. De uma forma muito mobilizada, conectada, cooperativa e competitiva para chegar nesses objetivos que tracei para elas. Aqui, além da minha capacidade de mobilizá-las, de fazer essa gestão do grupo, vai ser necessário a auto responsabilidade de cada atleta. Entender o que é defender a seleção brasileira, o que estamos propondo a fazer e acho que elas entenderam muito bem isso.

Você teve conversas individuais com as jogadoras? Como a Cristiane, que ficou fora da seleção nas últimas competições, Marta….

Tive sim. Praticamente com todas. No café, no almoço, depois do treino, antes do treino, na academia, quando a gente se cruza… Eu, como liderança, tenho que dar esse exemplo e ter essa relação de abertura com as atletas para mostrar em que elas podem evoluir. Também mostrar para elas qual é o tamanho que cada uma tem dentro do futebol. Temos jogadoras aqui que são referências mundiais e temos jovens talentos que vão ser referências mundiais. Acho que conseguimos já nessa primeira convocação ter um ambiente de acolhimento, e que, talvez, elas sentissem falta aqui na seleção.

Você falou certa vez que um técnico homem tem mais dificuldade de conquistar a confiança das atletas mulheres. Acha que isso vai demorar na seleção?

Isso era mais no começo da carreira. Precisa de empatia para se colocar no lugar do que significa ser uma atleta de futebol no Brasil. Me conectei com todas elas e luto junto para que haja cada vez mais melhores condições para as mulheres dentro do futebol e dentro da sociedade. Mas, depois de tantos anos já inserido no futebol feminino, agora é muito mais fácil. Mesmo as que eu nunca trabalhei, elas me conhecem. A relação fluiu muito bem com todas elas. Acho que aqui não vai ter nenhuma resistência. Pelo contrário, fui muito bem acolhido por cada da jogadora.

Como é assumir a seleção feminina sendo um nome praticamente unânime?

É muito gratificante. Fico realmente muito muito feliz, honrado pela trajetória. Eu tive uma despedida na Neo Química muito emocionante, com torcedor e as atletas. Foi muito especial. Assim também como recebo mensagem de atletas que eu treinei quando a gente não tinha nada, não tinha campo para treinar, não tinha salário, nenhuma estrutura. São pessoas que lutamos juntos lá atrás, e sei que torcem muito por mim e pelo futebol feminino.

Após a saída da Pia, a CBF ponderou se deveria escolher uma técnica pela questão da representatividade. Como você avalia isso?

Eu também acho superimportante, sempre defendi a representatividade. Mas acho que precisamos fazer uma reflexão mais ampla, pois a representatividade não vai estar somente na figura do treinador ou treinadora da seleção. Se eu fosse o presidente de qualquer clube, eu pensaria qual é o melhor caminho para aumentar a chance de vencer. No momento que você acredita nisso, vai dar mais representatividade a todo mundo.

Você não quer mais o discurso de desculpas estruturais para possíveis derrotas.

Isso acabou. Vocês não vão escutar sair daqui dentro da seleção, da minha boca, qualquer tipo de desculpa, de falta disso ou falta daquilo. Temos jogadoras de altíssimo nível, e a estrutura que temos para trabalhar é excelente. Claro que a defesa para o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil vai estar sempre comigo.

Isso vai te trazer mais críticas. Está preparado?

Não só preparado, como é coerente com o que penso. Precisamos dessa cobrança. Temos que entender a responsabilidade do tamanho que é. E eu estou dizendo isso desde o primeiro dia e vou continuar dizendo. A seleção vai entrar em todos os campeonatos para mudar de patamar, para chegar às semifinais e às finais. É dessa maneira que eu quero que olhem hoje a seleção brasileira.

Já traçou meta para os Jogos Olímpicos? O ouro é possível?

Já conversei com elas, e a nossa mentalidade é conquistar o melhor resultado possível acima do que fizemos nas últimas Olimpíadas. Mas eu só vou estar satisfeito aqui dentro quando conseguir uma medalha de ouro. Eu acredito que temos grandes chances, porque tenho um grupo fantástico de atletas. Confio nelas, nos profissionais que estão comigo e no apoio que a CBF tem dado. Acho que temos que pensar grande. Se colocar metas pequenas, como fazer cada atleta acreditar que é possível?

Você só vai poder levar 18 jogadoras nos Jogos Olímpicos. Será um desafio escolher apenas 18 nomes?

Será um desafio com a quantidade de jogadoras de qualidade num torneio tão importante. Porém, mais do que um desafio para mim, é um desafio para elas. A competitividade é alta, faz com que todas procurem evoluir nos clubes. O desafio maior fica para elas. Mas tenho certeza de que as 18 que chegarem lá vão chegar muito bem. O Brasil hoje tem um número bem maior de jogadoras do que há 10 anos com nível alto para disputar contra as principais seleções do mundo.

Hoje, quem joga o melhor futebol entre as mulheres no mundo?

As finalistas da Copa do Mundo. São excelentes seleções. Acho que a Inglaterra é até mais consistente nos últimos anos, mas isso não garante nada. Mas temos muitas seleções boas. Isso é interessante. O futebol feminino agora está com um nível de competitividade maior. Dificilmente vou falar que essa ou aquela está muito acima das outras porque eu acho que pelo menos umas 8 ou 10 seleções estão em alto nível. As Olimpíadas e a Copa do Mundo são torneios de mata. É um jogo só que decide, às vezes, nos pênaltis. Esse caráter da competição nivela mais ainda.

Você se inspira em algum estilo de jogo de alguma seleção?

A seleção joga ao meu estilo, ao estilo da seleção brasileira, não vamos copiar ninguém. Ninguém vai olhar para ninguém neste sentido, sabemos muito bem o que vamos fazer e o que vamos construir em relação à maneira como jogar futebol. Mas admiro muito a Sarina Wiegmam pelo jogo da Inglaterra.

Você formou o time com três zagueiras no jogo-treino. Será a formação do Brasil?

Mais do que os números do sistema, trouxe alternativas diferentes de sistema. Elas entenderam as relações que precisam ter entre elas a depender da posição dentro de campo, como gerenciar bem a velocidade de jogo, o espaço no campo. Elas entenderam e conseguiram ser muito eficientes nos treinos. Estou muito satisfeito com o que eu vi de cada jogadora.