Jornal Povo

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA ABRIU SINDICÂNCIA APÓS PACIENTE MORRER SENTADO AGUARDANDO ATENDIMENTO EM UPA DO RIO

O artesão José Augusto Mota da Silva, que morreu esperando atendimento na UPA da Cidade de Deus — Foto: Reprodução

COMISSÃO DE SAÚDE DA CÂMARA DO RIO E POLÍCIA CIVIL APURAM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO ÓBITO

Artesão e garçom, José Augusto da Silva, 36 anos, morava na capital fluminense desde 2012 e havia planejado passar o Natal com a família em Mogi Guaçu, interior de São Paulo. 

O rapaz, segundo parentes, passou mal, com dores do estômago, mas não resistiu enquanto aguardava atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio. Gerando revolta na família da vítima, que acusa a unidade de saúde de negligência no atendimento médico.

Essa negligência ocorreu porque não gostavam dele. Ele era conhecido na unidade, meu filho costumava ir no postinho (UPA) com frequência, mas nunca resolviam o problema dele. Nunca pediram um exame. Ele chegou com dor, mas a triagem foi mal feita e meu filho ignorado. Meu filho precisava ser atendido com urgência, mas foi ignorado e morreu sentado em uma cadeira. Não teve nenhum procedimento de reanimação. Do jeito que ele estava, minha filha o encontrou ao reconhecer o corpo — desabafou o pai da vítima, José Adão da Silva, que também criticou a demora na liberação do laudo da causa da morte.

Caso aconteceu na noite da última sexta-feira (13), na UPA da Cidade de Deus, na capital carioca, e imagens repercutiram nas redes sociais — Foto: Reprodução
‘ELE CHEGOU COM DOR, MAS A TRIAGEM FOI MAL FEITA’, DIZ PAI DE JOSÉ AUGUSTO

José Augusto foi sepultado no Cemitério Jardim Santo Antônio, em Mogi Guaçu. A família, que precisou realizar uma vaquinha online para trazer o corpo ao estado de origem, busca responsabilizar os envolvidos.

Estamos atrás de tudo para processar. Não vamos nos calar. Precisamos de uma resposta, não apenas para a família, mas para que isso não aconteça com outras pessoas. Não podemos normalizar isso — afirmou o pai da vítima.

A sobrinha do artesão, Emily Larissa Souza Motta, 19 anos, foi quem estava cuidando da transferência do corpo para São Paulo. Emily ainda destacou a dificuldade emocional de dar a notícia à família:

Ele era muito querido. Estava se preparando para voltar a morar em São Paulo. Agora, o Natal será triste para todos nós. Ele estaria aqui passando o Natal com a família. Mas voltou para a cidade dentro de um caixão.

Douglas Batista, amigo de José Augusto, trabalha como porteiro em Copacabana, bairro em que conheceu a vítima há seis anos. Ele foi quem levou o amigo para a UPA.

Chegamos às 19h40 e a recepcionista disse que ele seria atendido imediatamente. No entanto, ele só foi chamado às 20h30. Enquanto esperava, ele estava agonizando de dor — disse. Ainda segundo Douglas, José Augusto tinha histórico de gastrite e, mesmo relatando dores frequentes no estômago em consultas anteriores, recebia apenas medicação paliativa.

Nunca pediram um exame específico. Ele já estava muito mal há meses e buscava ajuda, mas sempre voltava para casa com dipirona — lamentou. O amigo também criticou a classificação de risco feita na triagem, que avaliou o caso como de baixa prioridade.

O amigo do artesão, contou que ele era uma pessoa alegre e trabalhadora. Durante o dia, vendia bijuterias artesanais na praia, e à noite trabalhava como garçom em um quiosque, na Rua Olegário Maciel, na Barra da Tijuca.

INVESTIGAÇÃO

A imagem de José Augusto morto, sentado na cadeira na sala de espera da unidade, viralizou e gerou comoção. O caso é alvo de uma investigação da Polícia Civil e de sindicância. Conhecidos de José Augusto, que moram na região e frequentam a unidade, reforçaram a insatisfação com o atendimento médico recebido na UPA da Cidade de Deus.

A Comissão de Saúde da Câmara do Rio apura as circunstâncias da morte e o Conselho Regional de Medicina abriu sindicância para apurar responsabilidades sobre o óbito. O prazo é de 90 dias, mas pode ser antecipado.

O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, decidiu pela demissão de toda a equipe plantonista da UPA. Ele ressaltou que os protocolos internacionais de análise de risco não foram seguidos. Além da demissão dos plantonistas, da análise das imagens das câmeras de segurança e dos registros nos prontuários para esclarecer os fatos, a equipe será denunciada, afirmou Soranz: — Eles responderão a uma sindicância e serão denunciados nos seus respectivos conselhos de classe. É inadmissível não perceberem a gravidade do caso.

José Augusto mudou-se para o Rio em 2012, após a morte da avó, com quem era muito próximo. Agora, a família pede que a morte dele sirva de alerta para evitar novas tragédias. “Os profissionais de saúde precisam honrar suas profissões e tratar o próximo com amor e responsabilidade. Isso não pode continuar acontecendo”, finalizou o pai.