Jornal Povo

STM VÊ ‘FALTA DE REPERCUSSÃO SOCIAL’ E VETA ONGs EM JULGAMENTO DE MILITARES QUE MATARAM MÚSICO E CATADOR NA ZONA NORTE DO RIO

Protesto em memória do músico Evaldo dos Santos, morto em uma ação do Exército na região da Vila Militar, na Zona Oeste do Rio, em 7 de abril de 2019 — Foto: Reprodução/Mauro Pimentel/AFP

AO LONGO DA INVESTIGAÇÃO UM DOS LAUDOS APONTOU QUE FORAM FEITOS 257 DISPAROS CONTRA O VEÍCULO 

O Superior Tribunal Militar (STM), rejeitou um pedido para organizações de direitos humanos serem ouvidas no julgamento de oito militares do Exército condenados pelos homicídios do músico Evaldo Santos e do catador de lixo Luciano Macedo, ocorridos em abril de 2019, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio. Segundo as investigações, 257 disparos foram efetuados contra o carro de uma das vítimas.

Oliveira, sendo o relator do processo, afirmou que não há “repercussão social” no caso, já que o resultado do julgamento irá impactar apenas as partes envolvidas no processo, e “não no comportamento ou nos direitos de outros grupos socialmente organizados”. O ministro ressaltou, no entanto, “a gravidade dos fatos” do episódio.

“No presente caso, não obstante a gravidade dos fatos objeto da presente apelação, com ampla cobertura pelos meios de comunicação, a questão está longe de se considerar uma repercussão social, pois se tem aqui uma questão fática com partes definidas, em que o resultado do julgamento por esta Corte, seja mantendo a condenação, seja diminuindo a pena ou até mesmo absolvendo os apelantes, impactará tão somente na vida desses protagonistas do processo e não no comportamento ou nos direitos de outros grupos socialmente organizados”, afirmou Oliveira, em decisão do 25 de novembro.

Carro em que músico foi morto ao ser baleado por homens do Exército — Foto: Reprodução/Jose Lucena

OFICIAIS CONDENADOS EM PRIMEIRA INSTÂNCIA EM 2021 RECORRERAM À CORTE MILITAR EM BUSCA DE ABSOLVIÇÃO

O julgamento será retomado na quarta-feira. Em 2021, a Justiça Militar condenou os oito militares a penas entre 28 e 31 anos de prisão. Agora, o STM está analisando recursos deles. Em fevereiro, Oliveira votou para diminuir as penas e foi acompanhado pelo ministro revisor, José Coêlho Ferreira. A ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha pediu vista.

Um grupo de organizações pediu para participar do caso como “amicus curiae”, expressão em latim que significa “amigo da corte”. Esse instrumento serve para que entidades que não são parte do processo possam apresentar dados e argumentos em um julgamento. Fizeram o pedido a Associação Direitos Humanos em Rede (Conectas), Justiça Global, Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) e Instituto da Mulher Negra (Odara).

Ao negar o pedido, o ministro Carlos Oliveira destacou que um amicus curiae não pode demonstrar “qualquer interesse” no caso concreto, e que “é notório o interesse dos requerentes voltado exclusivamente à condenação” dos militares. Além disso, afirmou que o pedido foi feito quando o julgamento já estava em andamento.

Na ocasião das mortes, Evaldo Santos estava em um carro com outras quatro pessoas, incluindo a mulher e o filho de 7 anos, a caminho de um chá de bebê, quando foi atacado pelos militares, que teriam confundido o carro dele com o de bandidos. Segundo a perícia, 62 tiros perfuraram o veículo, tendo oito atingido o músico, que morreu na hora.

Luciano Macedo, que passava pelo local, também foi baleado ao tentar ajudar as vítimas. Ele chegou a ser socorrido a um hospital da região, mas não resistiu.

Ao defender a redução de pena, o ministro Carlos Oliveira votou pela absolvição dos militares pela morte de Santos, por entender que agiram em legítima defesa de terceiros, e pela desclassificação de homicídio doloso (com intenção de matar) para o culposo no caso de Macedo. Por isso, a pena do tenente Ítalo da Silva Nunes, que chefiava a ação, passaria de 31 anos e seis meses de reclusão para três anos e sete meses. Já os demais militares, condenados a 28 anos, teriam as penas reduzidas a três anos de detenção.