SUSPEITA FOI PRESA ACUSADA DE ENVENENAR E CAUSAR A MORTE DE 3 PESSOAS NA VÉSPERA DE NATAL
Nesta segunda-feira (6), a Polícia Civil confirmou que Deise Moura dos Anjos usou arsênio para envenenar a farinha com que a sogra fez um bolo que matou três mulheres da mesma família em Torres, no Litoral do Rio Grande do Sul. O caso aconteceu em 23 de dezembro de 2024.
Deise é nora de Zeli dos Anjos, que fez o bolo e está hospitalizada, e teve a identificação confirmada pela Justiça do RS. Ela está presa temporariamente no Presídio Estadual Feminino de Torres e é investigada por triplo homicídio duplamente qualificado por motivo fútil e com emprego de veneno e tentativa tripla de homicídio duplamente qualificada.
A defesa de Deise informou que conversou com a cliente e que não teve acesso integral à investigação em andamento, razão pela qual não irá se manifestar.
COMO ACONTECEU O CASO?
De acordo com a Polícia Civil, sete pessoas da mesma família estavam reunidas em casa, em 23 de dezembro, durante um café da tarde, quando começaram a passar mal depois de comer o bolo.
Apenas uma delas não teria comido o bolo. Seis precisaram de atendimento hospitalar. Dessas, três morreram horas depois. Zeli dos Anjos, que preparou o alimento em Arroio do Sal e o levou para Torres.
As pessoas que consumiram o bolo notaram um gosto estranho ao ingerir o doce, segundo o delegado do caso, Marcus Vinícius Veloso. O alimento, com sabor apimentado e desagradável foi percebido logo nos primeiros pedaços, afirma a Polícia Civil.
QUEM SÃO AS VÍTIMAS E A PRINCIPAL SUSPEITA?
As vítimas foram identificadas pela Polícia Civil como Maida Berenice Flores da Silva, 58 anos, Tatiana Denize Silva dos Santos, de 43, e Neuza Denize da Silva dos Anjos, 65. Maida e Tatiana tiveram parada cardiorrespiratória, segundo o Hospital Nossa Senhora dos Navegantes de Torres. Já Neuza teve como causa da morte “choque pós intoxicação alimentar”, segundo o hospital.
De acordo com o boletim médico, a mulher que preparou o bolo, Zeli dos Anjos, de 60 anos, estava hospitalizada em leito clínico e estava estável até a mais recente atualização desta reportagem.
A criança de 10 anos que também comeu o bolo recebeu alta na última sexta-feira (3). O marido de uma das vítimas, Maida, também comeu o bolo, precisou de atendimento, mas recebeu alta pouco tempo depois.
Deise é casada com o filho de Zeli dos Anjos há cerca de 20 anos, de acordo com familiares. Eles moram em Nova Santa Rita, na Região Metropolitana de Porto Alegre. De acordo com pessoas próximas da família, Deise teria uma relação conturbada com a sogra desde o início da relação.
Em seu perfil profissional na internet, Deise afirma ser especializada em contabilidade, com experiência em escritório contábil, empresas do ramo imobiliário, logístico e hospitalar.
A suspeita está detida no Presídio Estadual Feminino de Torres. Segundo o TJ, ela deve passar por audiência de custódia na tarde desta segunda-feira (6). Em nota, a defesa de Deise diz que “não teve acesso integral à investigação em andamento, razão pela qual se manifestará em momento oportuno”.
O QUE A POLÍCIA JÁ SABE E COMO O ENVENENAMENTO FOI CONFIRMADO?
O delegado Marcus Vinícius Veloso, responsável pela investigação, afirmou em coletiva de imprensa nesta segunda de que são “robustas as provas que apontam que ela (Deise Moura dos Anjos) é a autora [dos crimes]”. No entanto, não divulgou detalhes das provas, inclusive o motivo para o crime, porque isso pode atrapalhar a investigação.
“Ela teve a intenção de cometer o crime. Foi um crime doloso”, afirma o delegado Veloso.
De acordo com a Justiça do RS, Deise fez pesquisas na internet sobre arsênio antes do crime. Um relatório preliminar dos dados extraídos do telefone dela, que foi apreendido pela polícia, mostra que houve “busca na internet, inclusive no Google shopping (área de pesquisa de compras do buscador), pelo termo arsênio e similares”.
A Polícia Civil investiga, ainda, quem era o alvo de Deise ao envenenar o bolo, como ela obteve arsênio e em que momento ele foi colocado na farinha. De acordo com Marguet Mittman, diretora do Instituto-Geral de Perícias (IGP), a fonte da contaminação foi a farinha usada para fazer o bolo consumido pelas vítimas.
“Foram identificadas concentrações altíssimas de arsênio nas três vítimas. Tão elevadas que são tóxicas e letais. Para se ter ideia, 35 microgramas já são suficientes para causar a morte de uma pessoa. Em uma das vítimas, havia concentração 350 vezes maior”, diz Marguet.
Marguet afirma que foram coletadas 89 amostras na casa de mulher que fez o bolo. Uma amostra, de farinha, apresentou a concentração de arsênio.
Arsênio é um elemento químico liberado no ambiente de maneira natural ou pela ação do homem e componente usado na fabricação de alguns pesticidas. A exposição a arsênio pode causar intoxicação alimentar e reações similares a alergias, câncer em caso de exposição recorrente, e até morte.
Conforme André Valle de Bairros, professor de Toxicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM):
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O arsênio é o elemento químico;
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Enquanto arsênico é denominado para o composto trióxido de arsênio.
“O arsênico trata-se da forma mais tóxica. A partir de 100 mg é possível causar a morte de um indivíduo adulto. Geralmente, o arsênico está na forma de pó e não tem cheiro ou gosto. Apesar de ter sido usado como raticida, esta droga pode ser empregada para fins de tratamento oncológico em pacientes com leucemia promielocítica aguda e é comercializada como Trisenox”, explica o especialista.
Bairros assinala que arsênico é proibido de ser comercializado no Brasil como raticida e o uso como agente quimioterápico é restrito.
“O arsênio é um elemento de alta toxicidade conhecida pela humanidade e sempre houve um certo temor. Há locais no globo terrestre ricos em arsênio, e isso contamina fontes de água. Mas é algo que precisa ser muito investigado. Há literatura científica, e de fato, há essa contaminação em leite, carne e frutas, porém, o fato de estar expostos a concentrações maiores de arsênio não significa necessariamente uma intoxicação”, acrescenta.
E exames identificaram arsênio no sangue das pessoas que comeram bolo.
Uma foto publicada em 2021 na rede social de Zeli dos Anjos mostra um bolo igual ao que foi preparado em 2024. Na imagem, a suspeita aparece ao lado da sogra e de outros familiares.
De acordo com a Polícia Civil, o ex-marido da mulher que fez o bolo morreu em setembro por intoxicação alimentar. Na época, a morte não foi investigada pela polícia, por ter sido considerada natural. Agora, a polícia abriu inquérito sobre o caso e pediu a exumação do corpo.
“Vamos exumar o corpo deste senhor para verificar se houve envenenamento também”, explicou o delegado Marcos Vinícius Veloso.