A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), símbolo de excelência acadêmica e resistência política, vive um momento decisivo em sua trajetória. Sob a liderança da reitora Gulnar Azevedo, empossada em janeiro de 2024, a instituição busca reafirmar seu compromisso histórico com a produção crítica e a missão pública, enquanto enfrenta desafios administrativos herdados de gestões anteriores.
Reestruturação e o Caminho para a Transparência
As reformas implementadas em 2020, durante a gestão do ex-reitor Ricardo Lodi Ribeiro, substituíram sub-reitorias por pró-reitorias e criaram a Superintendência de Projetos, liderada pelo professor Carlos Eduardo Guerra. A estrutura, criticada por centralizar recursos e decisões estratégicas, gerou questionamentos sobre transparência e desvios de finalidade, como projetos sem vínculo acadêmico. Relatórios do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) corroboraram irregularidades, incluindo falhas graves na prestação de contas.
A eleição de 2023, que levou Gulnar Azevedo e o vice-reitor Bruno Deusdará ao comando, foi marcada pelo apoio massivo da comunidade acadêmica, que via na chapa a oportunidade de resgatar a autonomia das unidades e priorizar a ciência. Gulnar, reconhecida por sua trajetória acadêmica e postura ética, assumiu com o compromisso de revisar modelos gerencialistas e extinguir estruturas controversas. Um ano após sua posse, no entanto, a Superintendência de Projetos permanece ativa, sob comando de Guerra — cenário que tensiona a gestão. Enquanto a reitora defende a extinção gradual do órgão, associado a um “balcão de negócios”, o vice-reitor Deusdará articula-se para fortalecê-lo, alegando necessidade de captação de recursos em meio a cortes orçamentários.
Autonomia versus Interesses Políticos: O Papel da Reitoria
Gulnar Azevedo tem agido com equilíbrio e assertividade diante de desafios complexos. Em março de 2024, a suspensão de bolsas vinculadas a irregularidades da gestão Lodi resultou em ocupações estudantis no campus Maracanã. A reitora optou pelo diálogo, evitando confrontos, mas a intervenção da Polícia Militar — criticada por setores da comunidade — expôs tensões. Fontes ligadas à administração sugerem que o movimento teve apoio indireto de grupos políticos, incluindo o PSOL, partido do vice-reitor Deusdará, revelando contradições: enquanto a reitora prioriza a mediação, o vice-reitor mantém alinhamentos que desafiam a coerência ideológica.
Nos bastidores, circulam relatos de que Carlos Eduardo Guerra atua como ponte entre Deusdará e o ex-reitor Lodi, visando articular apoio para futuras eleições da reitoria. A aproximação fere os princípios defendidos pela chapa vencedora em 2023, que prometia romper com práticas de cooptação e centralização.
Superintendência de Projetos: Entre a Necessidade e o Conflito
A polêmica em torno da Superintendência de Projetos reflete o cerne do debate atual. Para Gulnar, a estrutura representa um desvio da missão universitária, ao priorizar iniciativas sem lastro pedagógico, como o programa Segurança Presente — que repassa recursos para policiais sem contrapartidas acadêmicas. Já Deusdará, formado no Centro de Humanidades e outrora crítico de modelos gerencialistas, paradoxalmente defende a manutenção do órgão, aproximando-se de setores do governo estadual para garantir financiamento.
A comunidade acadêmica, em sua maioria, apoia as propostas originais da chapa liderada por Gulnar. Docentes e discentes pressionam por uma revisão urgente das parcerias, temendo que a universidade se torne refém de interesses externos. “A autonomia não é negociável. Captar recursos não pode significar subordinar nossa produção científica a agendas alheias“, afirma uma professora da Aduerj, sob anonimato.
Lições do Passado e o Compromisso com o Futuro
A UERJ já enfrentou crises similares. O extinto Núcleo de Negócios com o Estado, desmantelado na década de 2010 após escândalos de corrupção, serve como alerta. A contradição se reflete também no perfil de ex-alunos: se de um lado a UERJ formou personalidades como Fernanda Montenegro e Carlos Chagas, de outro, viu surgir figuras controversas como Jorge Picciani, ex-deputado condenado por corrupção e egresso do curso de Ciências Contábeis. Dados internos mostram que cursos de graduação — base da universidade pública — seguem com recursos insuficientes, enquanto projetos terceirizados avançam.
Gulnar Azevedo, cuja trajetória remete à defesa intransigente da educação pública, busca reverter esse cenário. Sua gestão tem priorizado editais transparentes e o fortalecimento de pesquisas vinculadas aos departamentos, em contraste com a lógica da Superintendência. Entretanto, a influência de Deusdará e a resistência de setores ligados a Lodi dificultam mudanças estruturais.
O Desafio da Coerência
Especialistas em gestão universitária, como a professora Helena Bomeny (UERJ), reforçam que “autonomia exige gestão democrática, não isolamento”. Nesse sentido, Gulnar enfrenta o duplo desafio de garantir sustentabilidade financeira sem abrir mão dos princípios acadêmicos.
Enquanto isso, a comunidade observa com preocupação a postura do vice-reitor. Deusdará, que se autodeclara de “esquerda”, mas articula-se com o governo Cláudio Castro (PL-RJ), personifica a contradição entre o discurso de campanha e a prática. Sua defesa da Superintendência de Projetos e a aproximação com grupos políticos alimentam críticas sobre uma possível guinada da UERJ rumo ao “gerencialismo”.
O Caminho à Frente
A reitora Gulnar Azevedo mantém-se firme no propósito de desvincular a UERJ de ciclos de poder que a transformam em moeda política. *Sua gestão é vista como um esforço para reequilibrar a instituição*, valorizando a expansão acadêmica e pedagógica. A extinção da Superintendência de Projetos, ainda em discussão, seria um marco nesse processo.
A universidade segue como espaço de resistência, mas a pressão por mudanças depende não apenas da reitoria, mas da mobilização contínua de docentes, discentes e técnicos. O risco de retrocesso existe, especialmente se alianças políticas prevalecerem sobre o interesse acadêmico. A resposta, como lembra Gulnar em discursos recentes, está na “força coletiva de quem acredita que a UERJ é, e sempre será, patrimônio do povo”.
Fontes Consultadas:
– Documentos oficiais da Aduerj e da Reitoria da UERJ (2022-2024).
– Relatórios do MP-RJ e TCE-RJ.
– Entrevistas com docentes e discentes (anonimato).
– Dados do Observatório da Educação Pública (2023).
**O espaço segue aberto para manifestação dos citados.