Jornal Povo

‘Na cadeia, só se fala em coronavírus’, diz homem solto por causa da epidemia

DO EXTRA – Felipe da Fonseca Rodrigues, de 29 anos, deixou, na manhã de hoje, o Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio. Ele passou um ano e sete meses preso, após denunciar que foi torturado por militares dentro de um quartel do Exército no Rio. Nesta quinta-feira, a Justiça Militar determinou a soltura dele por conta da epidemia de Covid-19, causada pelo novo coronavírus. Segundo Felipe, dentro da cadeia, só se fala na doença.

— Lá dentro, está todo mundo com medo de pegar. Se um pegar, todos pegam. É um lugar muito precário, todo mundo amontoado. Se o vírus entrar lá dentro, não sei o que pode acontecer — conta Felipe.

Felipe e outros seis moradores do Complexo da Penha estavam presos desde agosto de 2018, quando foram detidos durante uma operação do Exército na favela, em agosto de 2018. Até hoje, entretanto, eles não foram julgados pela Justiça Militar, onde respondem por tentativa de homicídio contra a patrulha que os prendeu. A Defensoria Pública da União, responsável pela defesa de todos eles, argumentou que a epidemia de Covid-19, causada pelo novo coronavírus, poderia prolongar o período dos réus na cadeia indefinidamente, porque todas as audiências foram suspensas na Justiça Militar. A argumentação foi acolhida pela juíza Marilena da Silva Bittencourt: “a situação da pandemia de Covid-19 traz ao caso mais um fator de prolongamento do prazo da instrução criminal, sobre o qual os réus não possuem qualquer ingerência ou responsabilidade”, alegou a magistrada.

Nos últimos nove meses, Felipe dividiu uma cela com outros 152 presos na Cadeia Pública Jorge Santana, dentro do complexo penitenciário. Segundo ele, não tinha lugar para todos dormirem.

— Não tinha cama para todos. Tem gente que dorme no chão. Agora, todo mundo que precisa de algum atendimento médico e é levado para a UPA de dentro do complexo não volta para a cela, fica de quarentena, isolado — afirmou Felipe.

O jovem e os outros seis réus foram acusados de tráfico de drogas e de tentar matar a patrulha de militares que os prendeu. Todos eles denunciaram, em depoimentos à Justiça, terem sido torturados com choques elétricos, golpes de bastões de madeira e sufocamento com sacos plásticos dentro de uma sala na 1ª Divisão de Exército, na Zona Oeste, para onde foram levados após serem presos. Os presos negaram ter atirado contra os militares. Nenhuma arma foi encaontrada com os réus.