Jornal Povo

Primeira comunidade do Rio a ter mortes por coronavírus confirmadas, Rocinha mantém grande parte do comércio aberta

A Prefeitura do Rio confirmou nesta quarta-feira as seis primeiras mortes por Covid-19 de moradores de favelas cariocas: duas vítimas eram da Rocinha, outras duas de Vigário Geral, uma de Manguinhos e uma do Complexo da Maré. Três semanas após registrar o primeiro óbito causado pelo novo coronavírus, no dia 19 de março, o Estado do Rio chegou a 106 mortes e 1.938 casos confirmados, de acordo com o último boletim da Secretaria estadual de Saúde.

Inicialmente, o painel de casos do Governo do Estado havia anunciado cinco mortes na Rocinha e três em Manguinhos, mas em seguida a informação foi retificada. Logo depois, o prefeito Marcelo Crivella confirmou que havia duas mortes na Rocinha. Mesmo após o anúncio oficial, era grande a movimentação de moradores nas ruas da comunidade de São Conrado, onde parte do comércio funcionava normalmente na tarde desta quarta-feira, dia 8.

Uma das favelas mais populosas da cidade, a Rocinha tem uma UPA, três clínicas da família e um Centro da Atenção Psicossocial. Essas unidades, lembra o líder comunitário Willian de Olveira, não têm estrutura para suportar uma grande evolução dos casos na favela. Nesta quarta-feira, ele tentou, sem sucesso, convencer o dono de uma ótica a fechar a loja.

— Havia duas funcionárias da ótica tentando abordar pessoas no meio da rua. Fiz meu papel. Pedi para interromperem o atendimento. A gente sabe que o Rio está se preparando para uma epidemia — afirma o líder comunitário.

Além das duas mortes confirmadas e de outras duas que estão em investigação, há muitos moradores com sintomas da infeção por coronavírus. José Martins, do Movimento Rocinha Sem Fronteiras, percebe um aumento na circulação de pessoas nas ruas da comunidade:

— Tem uma avalanche de pessoas nas ruas. Acredito que de 60% a 70% das lojas abriram. As pessoas estavam mais recolhidas. Hoje (quarta-feira), o movimento aumentou muito.

Os relatos de casos na Rocinha se multiplicam. A manicure Fabíola Mariano, de 35 anos, diz que a família ainda espera os resultados dos exames que podem confirmar se o tio, o aposentado Antônio Edson Mesquita Mariano, de 67 anos, morreu vítima da Covid-19 em 30 de março. Ela conta que a viúva de Antônio e o filho dele estão internados com sintomas do coronavírus. Segundo ela, o teste do primo já confirmou a doença. Ele está sedado e com respirador.

— O coronavírus é um risco grande na Rocinha. E afeta não só quem vive em casas menores. Meu tio morava com a família numa casa com vários cômodos — contou Fabíola.

Chefe da Divisão de Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o epidemiologista Roberto Medronho ressalta as dificuldades para cumprir as medidas de proteção em favelas: o adensamento é grande, falta água e famílias dividem poucos cômodos.

— Como pedir para deixar uma pessoa isolada se a casa onde vive uma família tem só um quarto, banheiro e cozinha? A situação é delicada e um grande desafio. A primeira medida é dotar o lugar de água e distribuir sabão. É preciso ainda que essas comunidades recebam máscaras para que pelo menos os doentes usem — alerta Medronho.

Na entrevista coletiva desta quarta-feira, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o governo federal trabalha num plano piloto para frear o avanço do coronavírus em uma comunidade brasileira. Ele não revelou onde fica a favela que receberá o projeto.

— Hoje nós começamos o primeiro plano de manejo, e eu não vou dizer em qual comunidade, mas começamos o primeiro, para fazer um teste piloto, porque ali você tem que entender a cultura, a dinâmica, entender que são áreas onde muitas vezes o Estado está ausente, que quem manda é o tráfico, é a milícia. Como que a gente constrói esta ponte em nome da vida, e a saúde dialoga sim com o tráfico, com a milícia, porque eles também são seres humanos e também precisam colaborar, ajudar, participar — disse Mandetta.

Fonte: Jornal Extra