Até o final de seu mandato, em 2022, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) poderá indicar dois ministros para o STF (Supremo Tribunal Federal), alterando consideravelmente o perfil da corte constitucional do país — isso se não houver nenhuma morte ou algum ministro resolver adiantar sua aposentadoria.
O primeiro a se despedir será o decano Celso de Mello, em 1º novembro deste ano, quando completa 75 anos e se aposentará compulsoriamente. Em 12 de julho de 2021 é a vez de Marco Aurélio Mello, que também alcançará a idade limite para o serviço público.
Ambos são considerados juízes garantistas, que prezam pelo direito de defesa dos réus e a prevalência do que está escrito na Constituição sobre eventuais novidades legislativas ou pressões populares. Um contraste em relação ao perfil punitivista que deve ser a tendência a ser adotada por Bolsonaro, defensor do endurecimento da legislação penal.
Respeitado entre seus pares por sua erudição jurídica e histórica, Celso de Mello integra o STF desde 17 de agosto de 1989, indicado por José Sarney. É autor de votos como o que criminalizou a homofobia, liberou pesquisas com células-tronco, o que considerou legítimas manifestações como a Marcha da Maconha, ou impediu a prisão em segunda instância.
“Não há como compreender que esta Corte, em nome da presunção de inocência, afaste a possibilidade da inclusão do nome do réu no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, mas permita, paradoxalmente, a execução provisória (ou prematura) da pena”, declarou em seu voto na sessão ocorrida em 2019.
Discreto e avesso a eventos sociais, Celso de Mello prefere se manifestar por escrito quando vê o STF envolvido em alguma polêmica. Foi assim quando classificou de “golpista e inconsequente” uma fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, que disse que bastaria um cabo e um soldado para fechar a corte. Ainda, chamou de “atrevimento presidencial” o compartilhamento de um vídeo (depois apagado) por Bolsonaro que comparava o tribunal a uma hiena.
Mais falante, Marco Aurélio raramente recusa um pedido de entrevista. Foi indicado pelo presidente Fernando Collor de Mello, de quem é primo, e tomou posse em 13 de junho de 1990. Sob sua presidência, o STF implantou em 2002 a TV Justiça, que garantiu a transmissão ao vivo dos julgamentos do Plenário — e mudou para sempre a relação da sociedade com a corte, cada dia mais exposta.
Sua característica mais lembrada é a dissonância, o que lhe rendeu o apelido de “senhor voto vencido”. “A minha sina é divergir”, já declarou o ministro, que discordou da maioria ao votar contra a revogação da Lei de Imprensa, a manutenção da prisão de de Suzane von Richtofen ou, quando ainda estava em vigor a permissão para prisão antes do trânsito em julgado, deu uma decisão que libertava todos os presos nessa situação.
Crítico de Sergio Moro quando este era responsável pela operação Lava Jato, Marco Aurélio já disse esperar que sua cadeira não seja ocupada pelo ex-juiz e atual ministro da Justiça de governo Bolsonaro — presença constante nas bolsas de apostas para a sucessão no STF. Ao comentar o vazamento de diálogos que colocaram em xeque a isenção de Moro na operação, o ministro alfinetou com a ironia que também lhe é característica: “Não tenho nada a esconder e não mantenho diálogos fora do processo com as partes”, disse, ao ser perguntando se não temia a ação de hackers.
Sob os holofotes
A indicação de ministros do STF é uma prerrogativa exclusiva do presidente da República, mas a confirmação do nome cabe ao Senado, que tem o papel de aprovar o escolhido após sabatina diante dos parlamentares. Tradicionalmente, é um processo que ocorre nos bastidores e envolve muita negociação política.
A expectativa em torno das opções de Bolsonaro ganharam novas luzes e alcançaram um novo patamar desde a campanha eleitoral. O então candidato já havia proposto ampliar de 11 para 21 o número de integrantes da corte e, em outra ocasião, sinalizou sua preferência por nomes “cristãos”.
Embora tenha baixado o tom após assumir a Presidência da República, Bolsonaro já manifestou em diferentes oportunidades sua insatisfação com a composição da corte, que tem sete dos atuais ministros indicados pelos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Quando propôs ampliar o número de cadeiras da corte, o então candidato disse que as decisões do STF “têm envergonhado a todos”.
Interpretados como uma ameaça à independência do Poder Judiciário, os gestos se somam a constrangimentos como a fala do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, que disse que bastariam um “cabo e um soldado” para fechar o STF, ou as manifestações de apoiadores de Bolsonaro contra ministros da corte — estas, mais agudas a partir do início do governo.
A sucessão no STF continua sendo um tema recorrente durante o mandato do presidente, que disse que indicaria um ministro “terrivelmente evangélico” para o tribunal. O “fator Moro” também aprofunda o enredo: embora já tenha afirmado à Rádio Bandeirantes que indicaria o ex-juiz por ele ter abandonado a magistratura para integrar seu governo, Bolsonaro disse mais tarde não ter assumido este compromisso.
A mudança de postura coincidiu com a revelação dos diálogos de Moro com o procuradores pelo site The Intercept Brasil, o que poderia dificultar a aprovação de seu nome pelo Senado. Por outro lado, uma indicação ao Supremo sepultaria qualquer pretensão política do ex-juiz — que hoje é negada com veemência. Com popularidade superior à de Bolsonaro, Moro por vezes é visto como uma ameaça à reeleição do presidente.
PEC da Bengala
A possibilidade de duas indicações para o Supremo até 2022 tem sua origem no governo Dilma Rousseff, em 2015. Naquela ocasião, com a base governista em avançado processo de esfacelamento, a Câmara dos Deputados, sob liderança do então presidente Eduardo Cunha, aprovou a ampliação de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória do serviço público.
O efeito prático da Proposta de Emenda à Constituição foi retirar de Dilma as chances de nomear mais quatro ministros que se aposentariam até 2018. Entretanto, o tema voltou ser discutido entre parlamentares da base de apoio a Bolsonaro. A senadora Bia Kicis (PSL-DF) apresentou uma nova PEC pra revogar a regra em vigor e restabelecer a idade de 70 anos como limite, ampliando o número de indicações que poderiam ser feitas por Bolsonaro até o fim de seu mandato.
Uma outra proposta legislativa também pretende alterar o processo de escolha de ministros do STF. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), incluiu entre as prioridades de 2020 a discussão de um projeto que instituiu a indicação a partir de uma lista tríplice e limita o mandato dos ministros a dez anos.
Os próximos a deixar o STF
Veja abaixo quando os atuais ministros completam 75 anos:
– Celso de Mello: novembro de 2020 (indicado por Sarney em 1989)
– Marco Aurélio Mello: julho de 2021 (indicado por Collor em 1990)
– Ricardo Lewandowski: maio de 2023 (indicado por Lula em 2006)
– Rosa Weber: outubro de 2023 (indicada por Dilma em 2011)
– Luiz Fux: abril de 2028 (indicado por Dilma em 2011)
– Cármen Lúcia: abril de 2029 (indicada por Lula em 2006)
– Gilmar Mendes: dezembro de 2030 (indicado por FHC em 2002)
– Edson Fachin: fevereiro de 2033 (indicado por Dilma em 2015)
– Luís Roberto Barroso: março de 2033 (indicado por Dilma em 2013)
– Dias Toffoli: novembro de 2042 (indicado por Lula em 2009)
– Alexandre de Moraes: dezembro de 2043 (indicado por Temer em 2017)
Fonte: CNN