RIO -Em um país continental, com uma costa de 7.367 quilômetros, o submarino é praticamente indispensável. Por isso, nesta sexta-feira (11), a Marinha dá um novo passo para a renovação de sua frota, com o lançamento ao mar da segunda unidade da classe Scorpene, que integra o ProSub, batizada de Humaitá. O programa de submarinos, lançado em 2008, prevê investimento total de R$ 37,1 bilhões, incluindo quatro embarcações de propulsão convencional — com motores diesel-elétricos de fabricação francesa — e uma quinta (e mais aguardada) de propulsão nuclear, com previsão de entrega somente em 2031 e cuja produção é, no mínimo, desafiadora.
Neste último, o desenvolvimento atômico cabe exclusivamente ao Brasil, em um projeto de alta complexidade, iniciado em 2012. Até agora, a Marinha já investiu R$ 20,8 bi no ProSub. Todos os submarinos são equipados com torpedos de alta precisão, minas e mísseis SM 39 Exocet.
O evento, que ocorre no Complexo Naval de Itaguaí nesta sexta-feira e terá a presença do presidente Jair Bolsonaro, marca dois avanços do ProSub. Além da inauguração do Humaitá, que entra na fase de testes, haverá a integração dos módulos do terceiro submarino do programa, o Tonelero.
‘Carro japonês’ x ‘Fusca’
Inicialmente, estava previsto que a Marinha pudesse comemorar, na mesma data, o início das operações do submarino Riachuelo, o primeiro da série. Porém, a fase de testes demorou mais do que o previsto. Neste momento, o Riachuelo ainda é submetido aos chamados testes de plataforma, nos quais são analisados aspectos como navegação, manobras, propulsão e funcionamento do leme.
De acordo com pessoas próximas ao projeto, o atraso na operação do Riachuelo se deve às adaptações feitas no modelo francês para navegação no Brasil. O Scorpene, na versão brasileira, é mais longo, o que amplia seu tempo máximo de operação contínua em relação ao modelo original, que passa de 50 para 70 dias.
O almirante Celso Mizutani Koga, engenheiro responsável pelo projeto, ressalta que a adaptação se deve à grande extensão da costa brasileira.
Atualmente, o Brasil dispõe dos submarinos da classe Tupi para atuar sob as águas. As cinco unidades foram compradas da Alemanha, nos anos 1980. Porém, hoje, além das diferenças de performance em relação aos novos — a profundidade máxima da classe Tupi, por exemplo, é de 270 metros, contra 300 metros dos franceses —, algumas das atuais embarcações estão submetidas a longos períodos de inatividade para manutenção.
— Existe uma evolução tremenda. Há um avanço relevante no processamento de dados dos sonares, por exemplo. É como comparar um Fusca com um carro japonês dos dias de hoje. Não só os sensores, mas a própria capacidade do periscópio de produzir imagens rapidamente, mantendo o submarino discreto, é muito superior — explicou o almirante Koga.
Grupo seleto
O ProSub também contempla o que pode ser chamado de um projeto à parte dentro do programa. Um terço de todo investimento bilionário é direcionado ao desenvolvimento do chamado SN-BR, o primeiro submarino de propulsão nuclear do Brasil, um tipo de equipamento que integra a frota de um seleto grupo de nações, como Estados Unidos, China, Reino Unido, França e Rússia.
Entre as diferenças mais importantes, além da velocidade, enquanto o S-BR fica submerso por um pouco mais de dois meses, o SN-BR poderá ficar em operação por tempo indeterminado. A estimativa é que missões com esse tipo de equipamento possam ocorrer por até um ano.
Essa capacidade só será possível após a Marinha superar uma série de obstáculos de desenvolvimento, que estão dentro dos planos e, por ora, não apresentam sinais aparentes de impasses incontornáveis. Todas as estruturas atômicas precisam ser miniaturizadas, especialmente o reator. Essa “chaleira” de produção quase inesgotável de energia precisa ser administrada de forma a manter segurança, calor e ruído em condições estáveis e por longos períodos.
Por isso, a Marinha construiu um protótipo em terra, que reproduz condições similares às que o reator deve enfrentar dentro do SN-BR. Esse sistema será desenvolvido no Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene), em Iperó (SP), que ainda não foi finalizado. Todos os componentes atômicos serão testados nesse ambiente, antes de serem instalados na embarcação.
— Ele vai simular o reator. Já tem lá uma carcaça, um casco de submarino onde o reator será instalado. O Labgene é o que vai nos garantir que o que está sendo desenvolvido para ser inserido no submarino vai funcionar dentro das especificações. Ele ainda não recebeu combustível, os testes estão sendo feitos, por enquanto, com caldeiras à vapor. Depois, poderemos, finalmente, testar a reação nuclear — explica o almirante Koga.
Além dos desafios orçamentário e técnico, como manter um reator nuclear em alta profundidade, com controle de ruído, pressão e temperatura, o submarino nuclear enfrenta outros obstáculos não desprezíveis, como barreiras para aquisição de componentes essenciais.
— O desenvolvimento autônomo da tecnologia nuclear exigirá posição firme do governo e da Marinha às pressões econômicas e estratégicas — explica Nelson During, editor-chefe do Portal DefesaNet.
Fonte: O Globo