Jornal Povo

Prefeitura do Rio começa a restaurar palavras do Profeta Gentileza em pilares dentro do futuro terminal na Avenida Brasil

Restauro
Restauro — Foto: Divulgação / CCPAR

As pinturas do profeta Gentileza, que dá nome ao Terminal Intermodal na Avenida Brasil, começaram a ser restauradas. Nesta terça-feira, quatro dos sete pilares que ficam dentro da plataforma do BRT Transbrasil já receberam novas camadas de tintas. Com 95% das obras concluídas, os operários seguem agora com os acabamentos do prédio do terminal e entorno, como instalações elétricas e de infraestrutura das lojas internas. As escrituras do autor do bordão “gentileza gera gentileza”, José Datrino (1917-1996) ainda vão ganha uma iluminação especial.

Antes de ganhar uma nova camada de tinta, os técnicos fizeram a remoção da sujeira e refizeram a grafia, que em alguns pilares estava apagada. Ao todo, nove especialistas trabalham na recuperação dos textos. Para que a empresa pudesse executar o serviço, foi necessária a aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan.

Algumas das frases poéticas, pintadas nas cores verde e amarela em 56 pilares do Viaduto do Caju, foram cobertas por fuligem e acabaram ganhando um tom acinzentado. Pelo menos seis painéis foram danificados por ação humana. Em três deles, palavras foram queimadas pelas chamas de fogueiras acesas por pessoas em situação de rua, que vivem sob o abrigo do elevado. Outros estão desbotados pela ação do tempo.

Segundo a Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (Ccpar) da Prefeitura do Rio, todas as pinturas serão recuperadas.

Escrituras recuperadas — Foto: Ccpar
Escrituras recuperadas — Foto: Ccpar

O Terminal Intermodal Gentileza (TIG) que começa a operar em janeiro de 2024, vai integrar três diferentes modais de transporte: o BRT Transbrasil, 22 linhas de ônibus municipais e as 2 linhas do VLT, que teve o trilho estendido em 700 metros até a área do novo terminal.

A estimativa é que mais de 150 mil pessoas passem pelo integrador todos os dias. O município do Rio investiu R$ 250 milhões na implementação do projeto. A conclusão das obras está prevista para o fim deste mês.

Fuligem e pichação

Às vésperas da inauguração do Terminal Gentileza, os textos do Profeta Gentileza correm o risco de desaparecer. Além de submetidas à poluição dos veículos que passam por lá, as pinturas também são alvo de pichações e de anúncios informais, que, por vezes, acabam encobrindo as mensagens. Ameaçadas em outras ocasiões, as escrituras já passaram por dois processos de restauração. No primeiro, em 2000, tinham sido completamente cobertas de tinta. A segunda, e última intervenção, aconteceu em 2011. Desde então, nenhum reparo foi feito nas pinturas expostas ao longo de 1,5 quilômetro.

Parte dos painéis que foram pintados pelo Profeta Gentileza está degradado — Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Parte dos painéis que foram pintados pelo Profeta Gentileza está degradado — Foto: Guito Moreto

Arquiteto e ex-subsecretário de Patrimônio Cultural do Rio, Washington Fajardo defende a implantação de iluminação especial nos pilares do elevado.

— Além do cuidado para manter a preservação dos escritos, com a manutenção periódica, uma solução possível seria a colocação de luminárias ao longo do trajeto. Além de dar mais visibilidade à obra, a iluminação especial poderia auxiliar na fiscalização do espaço público — sugere Fajardo.

Considerada pelo município um bem cultural de alto valor artístico, documental e sociológico, a obra do profeta já foi reproduzida inúmeras vezes em produtos como bolsas, camisetas e placas. Agora, seus textos e sua caligrafia vão estampar um painel na principal passarela do terminal intermodal.

Passarela em frente ao Terminal Rodoviário Novo Rio homenageia os murais pintados pelo Profeta Gentileza — Foto: Guito Moreto  / Agência O Globo
Passarela em frente ao Terminal Rodoviário Novo Rio homenageia os murais pintados pelo Profeta Gentileza — Foto: Guito Moreto

Profeta da delicadeza

José Datrino nasceu em Cafelândia, São Paulo, em 11 de abril de 1917, e morreu em Mirandópolis (SP), em 28 de maio de 1996. Trabalhava como pequeno empresário de transporte de cargas, mas depois do incêndio no Gran-Circus Norte Americano, em Niterói, em dezembro de 1961 – tragédia que matou cerca de 500 pessoas – decidiu abandonar o mundo material para se dedicar ao espiritual.

De estandarte em punho, passou a se chamar Profeta Gentileza e caminhava por vários bairros do Rio de Janeiro, cidades da Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo, espalhando seus ensinamentos proféticos. Entre Rio e Niterói, ficou conhecido como o “pregador da barca”, por pregar o amor e a gentileza entre o homem e a natureza.

A vida e obra de Gentileza inspirou artistas como Gonzaguinha e Marisa Monte, que escreveram canções em sua homenagem. Também foi tema de enredo da Escola de Samba Grande Rio, em 2001, “Gentileza – profeta do fogo”, assinado pelo carnavalesco Joãozinho Trinta.

Um extenso estudo também foi dedicado a José Datrino. Duas obras foram publicadas pelo escritor e professor Leonardo Guelman (“Univvverrsso Gentileza” e “Brasil: Tempo de Gentileza”). Mestre em Filosofia pela Uerj, Guelman também idealizou e coordenou o projeto “Rio com Gentileza”, responsável pela restauração da obra de Gentileza nos pilares do Viaduto do Caju, em 2011.